quinta-feira, 18 de setembro de 2025

ENTRE O SINAI E O ALÉM
A SUPERAÇÃO DA PROIBIÇÃO MOSAICA
À LUZ DA DOUTRINA ESPÍRITA
- A Era do Espírito -

Introdução

Ao longo da história, a relação dos seres humanos com o invisível e com os mortos sempre suscitou fascínio, medo e debates acalorados. As tradições religiosas, em diferentes épocas, estabeleceram normas que buscavam regular — e, por vezes, interditar — essas práticas. Um exemplo notório encontra-se na lei de Moisés, que proibia severamente a consulta aos mortos, equiparando-a à feitiçaria e prevendo a pena de morte aos que a praticassem.

Séculos mais tarde, com o advento do Espiritismo codificado por Allan Kardec no século XIX, ressurgem as comunicações entre os vivos e os Espíritos, mas com objetivos profundamente distintos daqueles que motivaram a interdição mosaica. Este artigo busca refletir, de forma racional e fundamentada na Doutrina Espírita e na Revista Espírita (1858-1869), sobre a diferença de sentido entre as antigas práticas condenadas e a proposta moral e consoladora do Espiritismo, demonstrando por que a proibição de Moisés não se aplica ao contexto atual.

1. A natureza da proibição mosaica

As leis de Moisés, registradas no Levítico e Deuteronômio, proibiam consultas a adivinhos, médiuns ou necromantes (Levítico 19:31; 20:27; Deuteronômio 18:9-12). Essa interdição não se originava de uma preocupação moral com os mortos, mas de motivos políticos e culturais. Os hebreus estavam em processo de formação nacional e deveriam romper com os costumes egípcios e cananeus, onde essas práticas estavam associadas à superstição, ao comércio da fé e, por vezes, a sacrifícios humanos.

Assim, a proibição visava proteger o povo de abusos, charlatanismo e sincretismos que poderiam desviar sua fidelidade a um Deus único. Era uma lei civil e disciplinar, moldada ao contexto histórico e ao nível de compreensão daquela sociedade nômade e belicosa. Não constituía um mandamento moral universal e eterno, como os do Decálogo.

2. A mudança dos tempos e o papel de Jesus Cristo

Ao trazer o Evangelho, Jesus atualizou a lei mosaica, elevando-a do legalismo para o amor e a caridade. Em nenhum momento Ele proibiu a comunicação com os mortos, apesar de tratar de vários outros temas controversos. Isso revela que a interdição mosaica não possuía caráter moral absoluto, mas circunstancial.

Se a revelação divina é progressiva, como ensina a Doutrina Espírita (O Livro dos Espíritos, questões 614 a 628), é natural que novas luzes sobre a vida espiritual surjam à medida que a humanidade evolui intelectualmente e moralmente. O Espiritismo representa uma dessas etapas, oferecendo um método racional e ético de comunicação com os Espíritos, livre das práticas supersticiosas do passado.

3. O Espiritismo e a finalidade moral das comunicações

Diferente das antigas evocações voltadas à adivinhação ou à exploração material, o Espiritismo propõe um intercâmbio baseado na caridade, na educação moral e no consolo espiritual. As reuniões sérias e os trabalhos mediúnicos, conforme orientado em O Livro dos Médiuns, devem ser conduzidos com recolhimento, respeito e finalidade instrutiva, nunca como espetáculo ou comércio.

As mensagens dos Espíritos revelam as consequências da conduta humana após a morte, testemunhando a justiça divina e a lei de causa e efeito. Ao invés de estimular a curiosidade ou a superstição, essas comunicações fortalecem a fé raciocinada, combatendo o materialismo e a incredulidade. Como destacou Allan Kardec na Revista Espírita, o Espiritismo “não é uma religião de milagres, mas uma ciência de observação moral”.

4. A atualidade da questão

No mundo contemporâneo, práticas como a charlatanice, o curandeirismo e a exploração da fé continuam existindo — mas são combatidas por leis civis e não mais por penas bárbaras. A sociedade dispõe de instrumentos jurídicos e educativos para prevenir abusos. A comunicação com os Espíritos, quando exercida com responsabilidade, não viola a lei natural nem o respeito aos mortos — ao contrário, honra a memória dos que partiram e auxilia os que sofrem.

Recusar a possibilidade das comunicações seria desprezar um dos mais eficazes recursos de instrução espiritual e consolo moral, que tem libertado milhares de consciências do medo da morte e do vazio existencial. Como bem resume um Espírito citado por Allan Kardec:

“Todo Espírito sofredor e desolado vos contará a causa da sua queda… Ao ouvi-lo, dois sentimentos vos acometerão: o da compaixão e o do temor — compaixão por ele, temor por vós mesmos.”

5. Conclusão

A proibição mosaica das evocações não se aplica ao Espiritismo, porque se baseava em circunstâncias históricas, políticas e culturais que já não existem. O Espiritismo, ao contrário das práticas antigas, não busca adivinhar o futuro nem explorar os mortos, mas consolar, esclarecer e moralizar.

Rechaçar as comunicações espirituais com base em leis do passado é ignorar o progresso humano e a revelação contínua das leis divinas. Se os Espíritos podem vir — e vêm espontaneamente — é sinal de que a Providência os permite para nosso aprendizado e elevação. O verdadeiro respeito aos mortos não está no silêncio imposto pela ignorância, mas no diálogo fraterno que reconhece a imortalidade da alma.

Referências

  • Allan Kardec. O Livro dos Espíritos. 1857.
  • Allan Kardec. O Livro dos Médiuns. 1861.
  • Allan Kardec. A Gênese. 1868.
  • Allan Kardec. Revista Espírita (1858-1869).
  • Bíblia Sagrada — Livros do Levítico, Deuteronômio, Isaías e Êxodo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

TEORIA DO CAOS E EQUILÍBRIO ESPIRITUAL UMA REFLEXÃO À LUZ DO ESPIRITISMO - A Era do Espírito - Introdução A teoria do caos, estudada pela ...