sexta-feira, 26 de setembro de 2025

ESPIRITISMO OU KARDECISMO? 
A QUESTÃO TERMINOLÓGICA 
E SUA IMPORTÂNCIA DOUTRINÁRIA
- A Era do Espírito -

Introdução

A Doutrina Espírita, codificada por Allan Kardec a partir de 1857, surgiu como um marco de clareza no campo das ideias espiritualistas, trazendo método, racionalidade e universalidade às manifestações dos Espíritos. Para nomear essa nova ciência filosófico-moral, Kardec cunhou o termo Espiritismo, um neologismo necessário para diferenciá-la do espiritualismo genérico.

Entretanto, ao longo do tempo, especialmente no Brasil, consolidaram-se usos imprecisos como a expressão “Kardecismo”. Embora muitas vezes empregada sem intenção de deturpar, essa palavra gera equívocos conceituais que comprometem a compreensão da Doutrina em sua essência. Neste artigo, examinamos o problema à luz da Codificação e da Revista Espírita (1858-1869), destacando a importância da terminologia correta na preservação da unidade espírita.

Origem do termo “Espiritismo”

O vocábulo Espiritismo foi criado por Allan Kardec e apresentado pela primeira vez em O Livro dos Espíritos (1857). Sua função era dar nome a uma doutrina nova, distinta das correntes espiritualistas existentes. Kardec esclareceu que o Espiritismo não era fruto de sua invenção pessoal, mas resultado das instruções dos Espíritos Superiores, colhidas, comparadas e organizadas por ele com rigor científico e filosófico.

Em O que é o Espiritismo (1859), o Codificador reforça que sua missão era de codificador e não de autor da Doutrina. Essa distinção é fundamental: a Doutrina pertence aos Espíritos; Kardec foi o organizador do ensino.

O equívoco do termo “Kardecismo”

O termo “Kardecismo”, bastante comum no Brasil, sugere que se trata de uma doutrina fundada por um homem – algo que Kardec sempre rejeitou. Como lembra Herculano Pires, chamar o Espiritismo de “Kardecismo” é reduzir sua dimensão universal a uma escola de pensamento individual.

O sufixo “-ismo”, quando associado a nomes próprios, costuma indicar correntes criadas por seus fundadores (marxismo, luteranismo, darwinismo). No caso do Espiritismo, a aplicação desse raciocínio induz ao erro, pois não foi Kardec quem criou seus princípios, mas sim os Espíritos que os revelaram.

Na Revista Espírita de julho de 1859, Kardec afirma:

“A ideia não é de um homem, mas dos Espíritos que se manifestam por toda a parte. Buscar-lhe a origem na Terra é desconhecer-lhe o verdadeiro caráter.”

Assim, ao usar “Kardecismo”, corre-se o risco de transmitir ao público uma imagem incorreta: a de que o Espiritismo seria apenas uma filosofia pessoal, e não uma revelação de alcance universal.

Espiritismo: uma só Doutrina

Outro problema linguístico frequente é a multiplicação de adjetivos como “Espiritismo científico”, “Espiritismo cristão”, “Espiritismo de mesa branca” ou “Espiritismo de Umbanda”. Tais expressões fragmentam a Doutrina e obscurecem sua natureza.

É verdade que Kardec utilizou classificações como Espiritismo Experimental (para os métodos de observação) e Espiritismo Prático (para as atividades mediúnicas). Contudo, jamais propôs subdivisões doutrinárias. Para ele, o Espiritismo é uno, integrando ao mesmo tempo Ciência, Filosofia e Religião, entendida esta última em seu aspecto moral e não ritualístico.

Em A Gênese (1868), Kardec alerta para o risco das interpretações pessoais e reforça que a força da Doutrina está em sua unidade de princípios. Fragmentá-la em “ramos” ou “versões” é desviar-se de sua essência.

Espiritismo e Umbanda: distinções necessárias

A confusão entre Espiritismo e Umbanda é outro fruto da imprecisão terminológica. A Umbanda, religião brasileira surgida no início do século XX, incorpora elementos do catolicismo popular, do espiritismo e das tradições afro-indígenas. Já o Espiritismo, codificado por Kardec, tem como fundamento a observação científica dos fenômenos mediúnicos e suas consequências filosófico-morais.

O uso de expressões como “Espiritismo de Umbanda” é, portanto, um erro conceitual, pois aproxima sistemas distintos em origem, método e finalidade. O respeito às tradições religiosas não dispensa a clareza terminológica.

Preservar a terminologia é preservar a Doutrina

Mais do que uma questão semântica, a defesa do termo Espiritismo é um dever de fidelidade doutrinária. Kardec cunhou esse neologismo justamente para evitar confusões. Adotar rótulos paralelos como “Kardecismo” ou adjetivos fragmentários fragiliza a identidade da Doutrina e abre espaço para deturpações.

Preservar a terminologia é preservar também o Evangelho de Jesus em sua aplicação espírita, já que o núcleo moral da Doutrina é justamente a vivência cristã “em espírito e verdade” (O Evangelho segundo o Espiritismo, 1864).

Conclusão

O Espiritismo não é “Kardecismo”. É uma Doutrina universal, revelada pelos Espíritos Superiores e codificada por Allan Kardec com método e clareza. Usar o termo correto não diminui a importância do Codificador; pelo contrário, exalta sua verdadeira missão: organizar e transmitir uma revelação que transcende épocas, culturas e fronteiras.

A fidelidade ao termo Espiritismo é, portanto, uma forma de respeito à integridade da Doutrina e à própria universalidade de seus princípios. Cabe aos espíritas de hoje preservar essa unidade, para que o Espiritismo continue a cumprir sua missão iluminadora no mundo contemporâneo.

Referências

  • KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 1ª ed. Paris: 1857.
  • KARDEC, Allan. O que é o Espiritismo. Paris: 1859.
  • KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Paris: 1864.
  • KARDEC, Allan. A Gênese. Paris: 1868.
  • KARDEC, Allan (dir.). Revista Espírita – Jornal de Estudos Psicológicos. Paris: 1858-1869.
  • PIRES, José Herculano. Introdução à Filosofia Espírita. São Paulo: Edicel, 1960.
  • ARRUDA, Andres Gustavo. Espiritismo ou Kardecismo? Artigo.

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