sábado, 6 de setembro de 2025

ESPIRITISMO PODER E CULTURA
UMA REFLEXÃO DOUTRINÁRIA
- A Era do Espírito -

Introdução

Ao longo da história, líderes políticos, religiosos e ideológicos buscaram diferentes estratégias para conquistar corações e mentes. A cultura e a política, em particular, têm se mostrado meios eficazes para implantar artigos de fé ou ideologias que, muitas vezes, visam mais a manutenção do poder do que a promoção do bem comum.

A Doutrina Espírita, codificada por Allan Kardec no século XIX, surge nesse contexto como uma proposta singular. Sem se valer de apelos passionais ou de manipulação ideológica, o Espiritismo procura oferecer uma visão racional e moral da vida, apontando para a evolução intelecto-moral da humanidade. Enquanto muitos discursos políticos e religiosos fomentam paixões, polarizações e hegemonias, a mensagem espírita é discreta, serena e fundamentada na lei natural.

Este artigo busca explorar, sob a ótica espírita, os contrastes entre o uso do poder cultural e político como instrumento de dominação e a contribuição do Espiritismo como caminho de libertação e progresso do Espírito imortal.

O Poder e a Hegemonia Cultural

Como observou a filosofia política moderna, o poder não se sustenta apenas pela força bruta, mas também pelo controle das ideias, da cultura e das instituições. O filósofo marxista Antonio Gramsci destacou a hegemonia cultural como instrumento de conservação ou transformação social (*). Assim, para muitos movimentos políticos, assumir espaços de cultura e comunicação é estratégico para moldar consciências.

Na atualidade, observamos fenômenos como o “cancelamento” — que, em essência, consiste em excluir ou silenciar vozes dissidentes. Esse mecanismo, embora aparentemente novo, ecoa velhos processos de intolerância já conhecidos ao longo da história da humanidade. Kardec, em vários momentos da Revista Espírita, denunciou a perseguição sofrida pelo Espiritismo nascente, especialmente por contrariar interesses religiosos e científicos estabelecidos. O livre pensar, valor fundamental para a Doutrina Espírita, sempre encontrou barreiras diante de hegemonias culturais ou ideológicas.

A Religião e o Poder Temporal

Outro risco para a evolução espiritual do homem é a instrumentalização da fé como mecanismo de dominação política. Movimentos religiosos fundamentalistas, como alguns ramos do chamado dominionismo, interpretam passagens bíblicas como justificativa para exercer domínio sobre a sociedade em todos os seus aspectos: governo, economia, cultura e até mesmo o destino espiritual da humanidade.

Allan Kardec advertiu que o verdadeiro progresso espiritual não nasce da imposição nem do fanatismo, mas da adesão livre e consciente do ser à lei de Deus. No Evangelho Segundo o Espiritismo, lemos que a fé inabalável é aquela que pode encarar a razão face a face em todas as épocas da humanidade. Isso exclui, portanto, qualquer forma de manipulação religiosa voltada para interesses de poder temporal.

O Espiritismo como Caminho de Libertação

Em contraste com ideologias passionais, o Espiritismo apresenta-se como doutrina de equilíbrio, razão e moralidade. Não busca estabelecer hegemonia política ou cultural, nem impor crenças pela força. Sua contribuição está na promoção da educação espiritual do homem, conforme exposto em O Livro dos Espíritos, onde se afirma que o progresso moral acompanha o progresso intelectual, e ambos se completam.

Na Revista Espírita, Kardec reiteradamente apresentou o Espiritismo como uma proposta de regeneração moral da humanidade, centrada na fraternidade, na solidariedade e no esclarecimento racional. Diferente dos discursos de “guerra espiritual” ou de “luta política”, o Espiritismo propõe uma revolução íntima, silenciosa, mas profunda, na qual cada indivíduo é convidado a transformar-se a si mesmo para contribuir com o progresso coletivo.

A reencarnação, ensinamento central da Doutrina, revela que a vida é uma sucessão de oportunidades de aprendizado. Assim, mesmo em meio a sistemas de poder que buscam dominar consciências, o Espírito encontra no livre-arbítrio e na lei de causa e efeito os instrumentos de seu crescimento.

Conclusão

Enquanto muitos movimentos políticos e religiosos se apoiam em paixões e hegemonias culturais para manter ou conquistar o poder, o Espiritismo oferece uma visão libertadora, racional e otimista da vida. Ele não promete soluções imediatas nem revoluções externas, mas aponta para a transformação profunda do indivíduo como caminho seguro para a regeneração da sociedade.

Talvez essa proposta discreta explique por que o Espiritismo não encontra eco nas massas agitadas pelas paixões. Mas, à luz das Leis de Deus, a evolução espiritual não depende da quantidade de adeptos, e sim da qualidade das transformações íntimas realizadas.

O triunfo do Espiritismo, como anunciava Allan Kardec, não se dará pela força de maiorias políticas ou culturais, mas pela força da verdade que, cedo ou tarde, se impõe à consciência humana.

(*) A obra Guerra de Posição de Antonio Gramsci descreve uma estratégia revolucionária para as sociedades ocidentais, contrastando com a "guerra de movimento" usada na Revolução Russa. A guerra de posição foca em construir uma hegemonia cultural e política através da sociedade civil, como a escola e os meios de comunicação, para depois assumir o poder estatal, adaptando a revolução às condições de uma sociedade mais complexa e fortificada.

Referências

  • KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 1857.
  • KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 1864.
  • KARDEC, Allan. A Gênese. 1868.
  • KARDEC, Allan. Revista Espírita: Jornal de Estudos Psicológicos (1858-1869).
  • KARDEC, Allan. Obras Póstumas. 1890.
  • GRAMSCI, Antonio. Guerra de Posição

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