domingo, 14 de setembro de 2025

JOIO E TRIGO: DISCERNIMENTO E ESCOLHA
ENTRE NARRATIVAS E FATOS, DOUTRINAÇÃO E EDUCAÇÃO
- A Era do Espírito -

Introdução

A parábola do joio e do trigo, narrada por Jesus Cristo no Evangelho segundo Mateus (13:24–30), é um convite à reflexão sobre nossa responsabilidade no uso do discernimento. O Mestre afirma que um homem semeou boa semente em seu campo, mas, enquanto dormiam, um inimigo semeou joio. Ao crescerem juntos, o joio e o trigo deveriam ser deixados até o tempo da colheita, quando então seriam separados.

Segundo a Doutrina Espírita codificada por Allan Kardec, o campo é o planeta Terra e a boa semente são os princípios do Evangelho, destinados a germinar no íntimo do ser humano. O joio representa as interpretações equivocadas e as distorções dos ensinamentos espirituais, que geram confusão. Essa parábola, quando atualizada, mostra-se útil para analisarmos dois desafios centrais de nosso tempo: discernir entre narrativas e fatos, e entre doutrinação e educação.

Joio e trigo: narrativas e fatos

Vivemos em uma era marcada pela sobrecarga de informações. Narrativas são construções interpretativas, que podem ou não estar alinhadas aos fatos. Os fatos são verificáveis, objetivos, enquanto as narrativas podem distorcê-los para atender a interesses específicos.

A Revista Espírita, especialmente entre 1859 e 1863, registra que Kardec se preocupava com a proliferação de opiniões sem base nos fatos observados nas sessões mediúnicas, e por isso propôs o controle universal do ensino dos Espíritos, método que visava separar o trigo (os fatos espirituais confirmados) do joio (as narrativas isoladas e contraditórias).

Essa postura é profundamente educativa: não aceitar ideias apenas porque são convincentes ou populares, mas analisá-las com o crivo da razão, conforme Kardec enfatiza em O Livro dos Médiuns. A lição atual é clara: discernir exige avaliar evidências e não apenas discursos.

Doutrinação e educação: a diferença essencial

Outro aspecto importante é distinguir doutrinação de educação. A doutrinação impõe ideias prontas, pedindo adesão sem questionamento; já a educação forma consciências críticas, capazes de avaliar, escolher e construir novos caminhos.

Kardec deixa claro em O Livro dos Espíritos que a evolução espiritual se dá pela liberdade de escolha e pelo uso da razão, e não pela aceitação cega. O Espírito Erasto alertava que Mais vale rejeitar dez verdades do que admitir uma única mentira, uma única teoria falsa(O Livro dos Médiuns, cap. 20, item 230), mostrando que o objetivo do Espiritismo não é doutrinar, mas educar para a autonomia moral.

No contexto da parábola, o trigo representa as ideias que fortalecem a consciência, enquanto o joio simboliza as crenças impostas sem reflexão. Cabe ao educador e ao estudante — e a cada um de nós — escolher o caminho da educação, que respeita o tempo e o livre-arbítrio do aprendiz, em vez da doutrinação que sufoca o pensamento.

O discernimento íntimo e a defesa da mente

Para separar joio e trigo em nosso mundo interior, precisamos aprender a conhecer nossa própria mente. As sugestões e ideias externas penetram por meio do olhar e da audição, despertando nossa emotividade e capturando nossa atenção.

A Doutrina Espírita ensina que cada indivíduo é a única autoridade capaz de permitir ou não o trânsito de pensamentos em sua alma. Se não exercemos o discernimento, podemos acolher ideias nocivas e abrir espaço para influências espirituais inferiores, originando processos obsessivos, como descrito por Kardec em O Livro dos Médiuns e em vários relatos da Revista Espírita.

O discernimento é, portanto, um exercício constante de selecionar com o crivo da razão, conservando o que eleva e descartando o que degrada.

Crônica ilustrativa

Certa vez, um professor recebeu dois grupos de alunos. A um deles entregou livros com dados e fontes confiáveis; ao outro, textos com opiniões distorcidas. Pediu que ambos analisassem e extraíssem conclusões. Os primeiros aprenderam a argumentar com base em fatos; os segundos, mesmo seguros de si, repetiam apenas slogans sem fundamento.

Ao final, o professor disse: “Aprender não é decorar palavras bonitas, mas saber distinguir entre o que é real e o que é apenas aparência.”

Assim também é em nossa vida espiritual: cabe a nós discernir o que é trigo (verdade que edifica) e o que é joio (ilusão que confunde).

Conclusão

A parábola do joio e do trigo permanece atual ao nos ensinar a discernir entre narrativas e fatos, e entre doutrinação e educação. A Doutrina Espírita nos mostra que o progresso espiritual exige análise crítica, liberdade e responsabilidade pelas próprias escolhas.

Ao usarmos o crivo da razão, aprendemos a reter o bem e rejeitar o mal, prevenindo-nos contra a obsessão, a confusão e o fanatismo. Crescendo moral e intelectualmente, tornamo-nos aptos a auxiliar os outros no momento oportuno — não impondo ideias, mas oferecendo instrumentos para que cada um caminhe com as próprias pernas.

Essa é a verdadeira colheita do trigo: a consciência livre, lúcida e fraterna.

Referências

  • O Livro dos Espíritos – Allan Kardec
  • O Livro dos Médiuns – Allan Kardec
  • A Gênese – Allan Kardec
  • Revista Espírita (1858–1869) – Allan Kardec
  • Evangelho segundo Mateus, capítulo 13, versículos 24–30

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