Introdução
A
parábola do joio e do trigo, narrada por Jesus Cristo no Evangelho segundo
Mateus (13:24–30), é um convite à reflexão sobre nossa responsabilidade no uso
do discernimento. O Mestre afirma que um homem semeou boa semente em seu campo,
mas, enquanto dormiam, um inimigo semeou joio. Ao crescerem juntos, o joio e o
trigo deveriam ser deixados até o tempo da colheita, quando então seriam separados.
Segundo
a Doutrina Espírita codificada por Allan Kardec, o campo é o planeta Terra e a
boa semente são os princípios do Evangelho, destinados a germinar no íntimo do
ser humano. O joio representa as interpretações equivocadas e as distorções
dos ensinamentos espirituais, que geram confusão. Essa parábola, quando
atualizada, mostra-se útil para analisarmos dois desafios centrais de nosso
tempo: discernir entre narrativas e fatos, e entre doutrinação e educação.
Joio e trigo: narrativas e fatos
Vivemos
em uma era marcada pela sobrecarga de informações. Narrativas são construções
interpretativas, que podem ou não estar alinhadas aos fatos. Os fatos são
verificáveis, objetivos, enquanto as narrativas podem distorcê-los para atender
a interesses específicos.
A Revista Espírita, especialmente entre
1859 e 1863, registra que Kardec se preocupava com a proliferação de opiniões
sem base nos fatos observados nas sessões mediúnicas, e por isso propôs o controle
universal do ensino dos Espíritos, método que visava separar o trigo (os
fatos espirituais confirmados) do joio (as narrativas isoladas e
contraditórias).
Essa
postura é profundamente educativa: não aceitar ideias apenas porque são
convincentes ou populares, mas analisá-las com o crivo da razão, conforme
Kardec enfatiza em O Livro dos Médiuns.
A lição atual é clara: discernir exige avaliar evidências e não apenas
discursos.
Doutrinação e educação: a diferença essencial
Outro
aspecto importante é distinguir doutrinação de educação. A doutrinação
impõe ideias prontas, pedindo adesão sem questionamento; já a educação forma
consciências críticas, capazes de avaliar, escolher e construir novos caminhos.
Kardec
deixa claro em O Livro dos Espíritos
que a evolução espiritual se dá pela liberdade de escolha e pelo uso da razão,
e não pela aceitação cega. O Espírito Erasto alertava que “Mais vale rejeitar dez
verdades do que admitir uma única mentira, uma única teoria falsa” (O Livro dos
Médiuns, cap. 20, item 230), mostrando que o objetivo do Espiritismo não é
doutrinar, mas educar para a autonomia moral.
No
contexto da parábola, o trigo representa as ideias que fortalecem a
consciência, enquanto o joio simboliza as crenças impostas sem reflexão. Cabe
ao educador e ao estudante — e a cada um de nós — escolher o caminho da
educação, que respeita o tempo e o livre-arbítrio do aprendiz, em vez da
doutrinação que sufoca o pensamento.
O discernimento íntimo e a defesa da mente
Para
separar joio e trigo em nosso mundo interior, precisamos aprender a conhecer
nossa própria mente. As sugestões e ideias externas penetram por meio do
olhar e da audição, despertando nossa emotividade e capturando nossa atenção.
A
Doutrina Espírita ensina que cada indivíduo é a única autoridade capaz de
permitir ou não o trânsito de pensamentos em sua alma. Se não exercemos o
discernimento, podemos acolher ideias nocivas e abrir espaço para influências
espirituais inferiores, originando processos obsessivos, como descrito
por Kardec em O Livro dos Médiuns e
em vários relatos da Revista Espírita.
O
discernimento é, portanto, um exercício constante de selecionar com o crivo
da razão, conservando o que eleva e descartando o que degrada.
Crônica ilustrativa
Certa
vez, um professor recebeu dois grupos de alunos. A um deles entregou livros com
dados e fontes confiáveis; ao outro, textos com opiniões distorcidas. Pediu que
ambos analisassem e extraíssem conclusões. Os primeiros aprenderam a argumentar
com base em fatos; os segundos, mesmo seguros de si, repetiam apenas slogans
sem fundamento.
Ao
final, o professor disse: “Aprender não é
decorar palavras bonitas, mas saber distinguir entre o que é real e o que é
apenas aparência.”
Assim
também é em nossa vida espiritual: cabe a nós discernir o que é trigo (verdade
que edifica) e o que é joio (ilusão que confunde).
Conclusão
A
parábola do joio e do trigo permanece atual ao nos ensinar a discernir entre
narrativas e fatos, e entre doutrinação e educação. A Doutrina Espírita nos
mostra que o progresso espiritual exige análise crítica, liberdade e
responsabilidade pelas próprias escolhas.
Ao
usarmos o crivo da razão, aprendemos a reter o bem e rejeitar o mal,
prevenindo-nos contra a obsessão, a confusão e o fanatismo. Crescendo moral e
intelectualmente, tornamo-nos aptos a auxiliar os outros no momento oportuno —
não impondo ideias, mas oferecendo instrumentos para que cada um caminhe com as
próprias pernas.
Essa é
a verdadeira colheita do trigo: a consciência livre, lúcida e fraterna.
Referências
- O Livro dos Espíritos – Allan Kardec
- O Livro dos Médiuns – Allan Kardec
- A Gênese – Allan Kardec
- Revista Espírita (1858–1869) –
Allan Kardec
- Evangelho segundo Mateus, capítulo 13,
versículos 24–30
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