O Espiritismo, desde suas origens, sempre destacou
a importância do critério e do estudo diante das manifestações espirituais. As
comunicações recebidas pelos médiuns, embora preciosas como testemunhos da
sobrevivência da alma e como meios de instrução moral, não podem ser aceitas
sem análise. A Revista Espírita de Maio de 1863, dirigida por Allan
Kardec, nos traz profundas reflexões sobre a necessidade de examinar
cuidadosamente os textos mediúnicos, sobretudo quando destinados à publicidade.
Naquele tempo, Kardec recebeu milhares de mensagens
de diferentes grupos e médiuns, mas nem todas eram publicáveis, ainda que
muitas contivessem bons conselhos e ensinamentos morais. Essa constatação é
atualíssima: hoje, assim como ontem, o movimento espírita é chamado à
vigilância, ao estudo comparado e ao cuidado para que apenas comunicações
sérias e instrutivas sejam difundidas.
A
Multiplicidade das Comunicações
Kardec relata ter recebido mais de três mil e
seiscentas mensagens de diferentes lugares, das quais apenas uma pequena
parte tinha mérito suficiente para ser publicada. Isso demonstra que a
abundância de comunicações não significa, por si só, qualidade doutrinária.
Essa realidade encontra fundamento em O Livro
dos Médiuns (2ª parte, cap. XX, item 230), onde Kardec alerta que:
“Não
é suficiente que uma comunicação seja assinada por um grande nome para que seja
boa; é preciso, antes de tudo, que seja digna desse nome, e que o estilo nada
tenha que desdiga da elevação do Espírito que se apresenta.”
Logo, a prudência no exame é indispensável, pois
Espíritos mistificadores podem usar nomes venerados para induzir os encarnados
em erro.
O Papel
do Grupo Espírita no Controle da Comunicação
Outro ponto de destaque no texto é a observação de
que as comunicações de qualidade duvidosa eram quase sempre oriundas de médiuns
isolados. O isolamento favorece a fascinação, ao passo que o trabalho em
grupo oferece um controle saudável, pela multiplicidade de opiniões e pelo
estudo coletivo.
Em O Livro dos Médiuns (cap. XXVII, item
303), Kardec reforça:
“A
melhor garantia de autenticidade das comunicações está no controle universal.”
Ou seja, as mensagens devem ser comparadas com
outras recebidas em diferentes centros, verificando a concordância dos ensinos.
Essa universalidade é um selo da autenticidade e uma defesa contra a influência
de Espíritos mistificadores.
O
Progresso do Ensino dos Espíritos
A Revista Espírita de 1863 também destaca que, com
o tempo, a qualidade das comunicações evoluiu. O que antes era considerado
notável, com o amadurecimento do movimento e dos médiuns, passou a ser visto
como pueril. Esse progresso reflete a lei natural de evolução e a elevação
gradual dos ensinos dos Espíritos conforme a humanidade se mostra preparada
para recebê-los.
Esse ponto está em harmonia com o que A Gênese
(cap. I, item 36) ensina sobre a revelação progressiva:
“O
Espiritismo marcha com o progresso; nunca será ultrapassado, porque, se novas
descobertas lhe demonstrarem que está em erro acerca de um ponto, ele se
modificará nesse ponto; se uma nova verdade se revelar, ele a aceitará.”
Portanto, é natural que mensagens que pareciam
elevadas em um período percam seu valor instrutivo diante de novas luzes trazidas
pelos Espíritos Superiores.
A
Necessidade de Escolha e Oportunidade
Kardec adverte que nem todas as comunicações, ainda
que boas em si mesmas, são dignas de publicidade. É necessário avaliar não
apenas o conteúdo, mas também o momento oportuno da publicação, considerando os
efeitos morais e a repercussão que poderão ter.
Em Obras Póstumas (Primeira Parte – item
“Controle Universal do Ensino dos Espíritos”), Kardec ensina que a Doutrina
Espírita deve se apoiar em uma base sólida de raciocínio e prudência, para não
comprometer sua credibilidade com textos medíocres ou intempestivos.
Assim, publicar mensagens fracas ou confusas pode
fazer mais mal do que bem, ao passo que selecionar com critério garante a
seriedade e a autoridade moral da Doutrina.
O Perigo
da Obsessão e da Presunção
Entre os manuscritos recebidos por Kardec, muitos
apresentavam sinais claros de obsessão espiritual, especialmente quando
acompanhados da insistência do Espírito em que fossem impressos. Esse é um
critério fundamental de desconfiança: os bons Espíritos jamais impõem;
aconselham, mas deixam aos encarnados a responsabilidade da decisão.
Em O Livro dos Médiuns (cap. XXIII, item
252), encontramos:
“Os
bons Espíritos dão conselhos; os maus ordenam. O sábio não se impõe, aconselha.”
Portanto, a presunção, a vaidade e a falta de
humildade são sempre indícios de influências inferiores, que devem ser
reconhecidas e combatidas pelo estudo, pela prece e pelo trabalho coletivo.
Conclusão
O exame criterioso das comunicações mediúnicas é um
dever de todo espírita sério. Kardec nos ensina que mais vale pecar por
excesso de prudência do que expor a Doutrina ao ridículo ou à confusão.
A mediunidade é instrumento sagrado, mas deve ser
iluminada pelo estudo, pelo discernimento e pela humildade. As comunicações que
merecem ser difundidas não são aquelas que massageiam o orgulho humano, mas as
que edificam, consolam e instruem, de acordo com a moral do Evangelho e com a
universalidade dos ensinos dos Espíritos Superiores.
Assim, o Espiritismo preserva sua seriedade e sua
missão de consolar e esclarecer a humanidade, mantendo-se fiel ao lema da
codificação espírita: “Só é inabalável a fé que pode enfrentar a razão face
a face, em todas as épocas da Humanidade.”
Referências
- KARDEC, Allan. Revista Espírita, Maio de 1863.
- KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. 2ª parte, capítulos XX e
XXVII.
- KARDEC, Allan. Obras Póstumas. Primeira Parte.
- KARDEC, Allan. A Gênese. Cap. I.
- KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo.
Introdução.
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