Introdução
O estudo da mediunidade ocupa lugar central na
Codificação Espírita. Desde os primeiros fenômenos das mesas girantes até a
consolidação da filosofia espírita, os médiuns se apresentam como instrumentos
indispensáveis à comunicação entre os dois mundos. No entanto, o exercício
dessa faculdade exige atenção, disciplina e, sobretudo, discernimento quanto às
influências que podem atuar sobre o médium e sobre a qualidade das mensagens
transmitidas.
Na Revista Espírita de março de 1859, Allan
Kardec aprofunda essa questão, descrevendo os diferentes tipos de médiuns, suas
aptidões, os riscos do uso inadequado da faculdade e o valor moral da missão
mediúnica. Este artigo busca retomar esses pontos à luz das demais obras da
Codificação, destacando a importância do estudo e da responsabilidade que
recaem sobre aqueles que servem de intérpretes dos Espíritos.
Todos
Somos, Mais ou Menos, Médiuns
Kardec ensina, tanto na Revista Espírita
quanto em O Livro dos Médiuns (2ª parte, cap. XIV, item 159), que todos
os homens são médiuns em maior ou menor grau, pois todos sofrem a influência
dos Espíritos. Contudo, convencionou-se aplicar esse título apenas aos que
possuem uma faculdade mais patente, capaz de produzir efeitos ostensivos.
Essa observação revela que a mediunidade não é
privilégio, mas condição natural do ser humano. Em Obras Póstumas
(Primeira Parte, tópico 6), Kardec reforça que essa faculdade é inerente ao
homem, constituindo-se em lei universal que aproxima o plano material ao
espiritual.
Variedades
de Médiuns
A experiência demonstrou que as aptidões mediúnicas
variam, dando origem a diferentes categorias. Entre elas, destacam-se:
- Médiuns de efeitos físicos: produzem fenômenos
materiais, como ruídos, movimentos de objetos ou mesas girantes.
Geralmente, Espíritos de ordem inferior se utilizam deles, embora
Espíritos superiores possam recorrer a esses fenômenos para fins
instrutivos ou de convicção inicial.
- Médiuns de comunicações inteligentes: subdividem-se em várias classes, como psicógrafos (escreventes),
falantes, auditivos, videntes, poetas, músicos e poliglotas.
O mais comum é o médium psicógrafo, que pode
ser:
- Mecânico – quando a mão se move independentemente da
vontade do médium, sem que ele tenha consciência prévia do conteúdo.
- Intuitivo – quando o Espírito age sobre o pensamento do
médium, transmitindo ideias que este percebe como se fossem suas. O médium
atua como intérprete, consciente da mensagem, mas sem que o conteúdo lhe
pertença.
A dificuldade natural para o médium intuitivo é
distinguir o que provém de si mesmo do que lhe é inspirado. Kardec observa que
a prática constante e as confirmações inesperadas — como informações
desconhecidas do médium, mas verdadeiras — fortalecem a confiança na
autenticidade da comunicação.
Aptidões
Especiais e Limites da Faculdade
Um dos pontos ressaltados por Kardec é que os
médiuns devem respeitar suas aptidões naturais. Nem todos são capazes de
produzir poesia, música ou desenhos mediúnicos, ainda que não possuam formação
artística. Os Espíritos escolhem instrumentos adequados, levando em conta não
apenas o conhecimento, mas também a flexibilidade psíquica e moral do médium.
Assim, a mediunidade não deve ser forçada, nem
transformada em objeto de vaidade. Cada médium deve desenvolver com humildade a
faculdade que lhe foi confiada, lembrando o ensinamento de La Fontaine citado
por Kardec: “forçando o nosso talento, nada faríamos com perfeição”.
A Missão
Moral do Médium
Embora os efeitos físicos tenham desempenhado
importante papel no início do Espiritismo, servindo como “vestíbulo da
ciência”, Kardec lembra que os Espíritos superiores não se ocupam de movimentos
de mesas ou pancadas senão de modo transitório, para atrair a atenção. O
verdadeiro objetivo do intercâmbio espiritual é a transmissão de ensinamentos
morais e filosóficos.
O Espírito São Luís, citado na Revista Espírita
de março de 1859, adverte que o valor das reuniões espíritas não está nos
fenômenos materiais, mas na seriedade, na busca da verdade e no cultivo da
caridade. Abandonar comunicações instrutivas para buscar apenas manifestações
físicas significa descer de patamar, trocando a companhia de Espíritos elevados
pela influência de Espíritos levianos.
Assim, o médium é chamado a compreender que sua
faculdade é missão e serviço. Quanto mais se dedica ao estudo, à moralização e
à disciplina interior, mais atrai Espíritos esclarecidos e mais útil se torna à
propagação do Espiritismo.
Conclusão
O estudo dos médiuns, iniciado por Kardec já nos
primeiros anos da Revista Espírita, permanece atual. A mediunidade,
sendo faculdade humana e universal, é campo de experiências diversas, mas só
adquire real valor quando orientada pela razão e pela moral espírita.
O médium, como intérprete dos Espíritos, deve
cultivar a humildade, a disciplina e a seriedade, evitando o orgulho e a
curiosidade fútil. Reconhecer suas aptidões naturais, respeitar os limites de
sua faculdade e buscar sempre a instrução moral são condições para que sua
missão se realize em harmonia com os objetivos da Doutrina Espírita.
Referências
- KARDEC, Allan. Revista Espírita – Jornal de Estudos Psicológicos.
Ano 2, março de 1859.
- KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. 1861.
- KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 1857.
- KARDEC, Allan. Obras Póstumas. 1890.
- KARDEC, Allan. A Gênese. 1868.
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