sábado, 6 de setembro de 2025

O IDEAL ESPÍRITA: ENTRE A INCOMPREENSÃO
E A LUZ DA VERDADE
- A Era do Espírito -

Introdução

“Aquele que se adianta 100 anos aos seus contemporâneos precisa de mais 100 anos para ser compreendido” — escreveu Carl du Prel sobre Allan Kardec. A frase, longe de mero elogio, descreve a distância natural entre o espírito que traz ideias novas e a mentalidade de uma época ainda dominada por preconceitos, dogmas e interesses imediatistas.

O Espiritismo, ao nascer sob a pena de Allan Kardec, enfrentou esse abismo. No artigo Polêmica Espírita (Revista Espírita, novembro de 1858), o Codificador advertia que não recuaria diante da discussão séria dos princípios, estabelecendo desde cedo o método do livre exame, da argumentação racional e da fé raciocinada. Essa disposição seria vital para que a Doutrina sobrevivesse às resistências e perseguições que inevitavelmente a acompanhariam.

Os primeiros embates

Desde a França, onde nasceu a Codificação, até terras distantes como o Brasil, o Espiritismo encontrou barreiras erguidas pela incompreensão. Tours, por exemplo, destacou-se como uma das primeiras cidades francesas a receber grupos de estudo, entre eles o do Dr. Chauvet, que publicou em 1862 obra refutando os materialistas. Ali também, em 1864, o jovem Léon Denis, então com 18 anos, iniciava a trajetória que o faria merecer o título de “Apóstolo do Espiritismo”.

Os embates, porém, não se restringiam às ideias. O chamado Auto-de-Fé de Barcelona (1861), quando centenas de livros espíritas foram queimados em praça pública, mostrou que a intolerância ainda usava métodos da “Idade Média”, como anotou Kardec. Contudo, o episódio transformou-se em semente de divulgação, pois a arbitrariedade denunciou ao mundo a força de um ideal que não podia ser calado.

O Espiritismo chega ao Brasil

No Brasil, sinais da presença espírita antecederam a própria Codificação. Documentos históricos registram reuniões na Bahia em 1845, bem antes das mesas girantes na Europa. Em 1853, o jornal O Cearense comentava fenômenos mediúnicos, revelando o impacto cultural dessas manifestações.

Mais tarde, nomes como Casimir Lieutaud, Júlio César Leal e, sobretudo, Bezerra de Menezes — o “Médico dos Pobres” — dariam ao Espiritismo brasileiro uma fisionomia própria, marcada pelo esforço de adaptação às necessidades sociais e pela vivência da caridade como expressão maior da fé espírita.

Bezerra, em seu discurso de 1886, narrou sua travessia do ceticismo à fé, testemunhando que o Espiritismo não é apenas sistema filosófico, mas também consolo para a alma sedenta de esperança. Sua trajetória ecoa o prefácio de O Evangelho Segundo o Espiritismo, ditado pelo Espírito de Verdade: “Espíritas! Amai-vos, eis o primeiro mandamento. Instruí-vos, eis o segundo.”

Razão, fé e testemunho

O que une França e Brasil nesse itinerário histórico é a necessidade de testemunho moral. A Doutrina não se propagou apenas pela força das ideias, mas pela coragem daqueles que, em meio às perseguições, sustentaram a bandeira da verdade. Eurípedes Barsanulfo, por exemplo, chegou a responder judicialmente por sua mediunidade posta a serviço do próximo.

Na Revista Espírita, Kardec já ensinava que a luta contra a ignorância e o preconceito é inevitável quando a luz visita as consciências. “Os fatos são mais eloquentes que as palavras”, escrevia o Codificador, e essa máxima se confirmou pela vida dos pioneiros que deram testemunho silencioso e persistente.

Conclusão

O Espiritismo não surgiu para agradar à opinião pública, mas para despertar consciências. Sua história é feita de lutas, incompreensões e, ao mesmo tempo, de vitórias silenciosas que se multiplicam na transformação moral dos indivíduos.

Carl du Prel estava certo: o homem que se adianta ao seu tempo carece de séculos para ser entendido. Mas, como lembrou o Espírito de Verdade, o chamado persiste:

“Tomai da lira, fazei uníssonas vossas vozes, e que, num hino sagrado, elas se estendam e repercutam de um extremo a outro do Universo.”

Que sigamos, pois, o roteiro seguro legado por Kardec, lembrando que a polêmica essencial é a do raciocínio e da consciência, jamais a do personalismo ou da intolerância. A verdade não teme o exame; ao contrário, é nele que resplandece.

Referências

  • KARDEC, Allan. Obras Póstumas. Trad. Guillon Ribeiro. Rio de Janeiro: FEB, 2010.
  • KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Trad. Guillon Ribeiro. Rio de Janeiro: FEB, 2011.
  • KARDEC, Allan. Revista Espírita (1858-1869). Diversos números.
  • BARRERAS F. Lorentino. O Processo dos Espíritas. São Paulo: Madras Editora, 2004.
  • LEAL, Júlio César. A Casa de Deus. Rio de Janeiro: FEB, 1928.
  • LUCE, Gaston. Léon Denis: O Apóstolo do Espiritismo. Rio de Janeiro: CELD, 2003.
  • MONTEIRO, Eduardo C. Memórias de Bezerra de Menezes. São Paulo: Madras Editora, 2005.
  • NOBRE, Freitas. A perseguição policial contra Eurípedes Barsanulfo. EDICEL, 1987.
  • SOARES, Sylvio Brito. Vida e obra de Bezerra de Menezes. Rio de Janeiro: FEB, 2010.
  • WANTUIL, Zêus (org.). Grandes Espíritas do Brasil. Rio de Janeiro: FEB, 2002.
  • ALEXEI, Vladimir. Uma Reflexão Histórica - A Força de Um Ideal. Artigo.

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