A Parábola
Os Três Beduínos
Três beduínos seguiam por uma estrada deserta. Já
estavam cansados, castigados pelo sol abrasador e pelo vento ardente, quando
avistaram, junto a um pequeno oásis, as ruínas de uma casa.
A construção havia sido consumida por um incêndio.
Desceram de seus camelos e se aproximaram dos
escombros ainda fumegantes. Ali compreenderam, com tristeza, que os moradores —
senhores e servos — haviam perecido nas chamas. Para surpresa deles, apenas
três coisas haviam escapado à destruição: um garotinho, um camelo de boa raça e
uma bolsa repleta de joias e dinheiro.
Logo entenderam o ocorrido. O dono da casa, ao
perceber o fogo, conseguira salvar o filho e a bolsa de valores. Tentara, em
seguida, resgatar talvez a esposa ou outro familiar, mas não conseguiu
retornar.
Diante da cena, os três homens se viram em dilema.
Primeiro: não poderiam abandonar a criança, indefesa naquela
solidão cruel.
Segundo: era preciso decidir o destino da bolsa com riquezas.
Terceiro: restava definir a quem caberia o belo camelo.
Para evitar disputas, resolveram lançar sortes. O
vencedor escolheria primeiro entre os três destinos.
A sorte favoreceu Ogima, o mais velho.
Contemplou a bolsa reluzente, avaliou o valor do camelo e, por fim, pousou o
olhar bondoso sobre o menino. Depois de alguns instantes de reflexão, declarou
com firmeza:
— Meus amigos, escolho o menino.
Nova sorte foi lançada, e a vez coube a Sayad,
que optou pela bolsa de joias. Restou a Zaide o camelo, com o qual se
mostrou satisfeito.
Foi então que Ogima falou:
— Allah colocou-nos diante de
três caminhos que, embora distintos, trazem iguais oportunidades. A ti, Sayad,
cabe multiplicar o tesouro e usá-lo para o bem. A ti, Zaide, com tua habilidade
no comércio, competirá aumentar teus bens. Quanto a mim, assumo o dever de
cuidar desta criança. Se Allah permitir, voltaremos a este lugar dentro de
vinte anos para partilhar os frutos do que recebemos.
Assim, os quatro camelos tomaram rumos diferentes —
dois conduzidos por Zaide, que ficara com o animal sorteado e o seu próprio.
Sayad partiu levando a bolsa cheia de riquezas, e Ogima seguiu em frente,
carregando nos braços o pequeno sobrevivente.
O sol, qual cortina dourada, descia no horizonte,
aquecendo o corpo frágil da criança e iluminando o olhar sereno de Ogima.
O sol se foi. E os três beduínos também.
O Reencontro
Passaram-se vinte anos.
No dia marcado, sob o calor intenso da manhã,
surgiu ao longe a figura de um homem. Trazia turbante branco, túnica clara,
sandálias de fino couro e, no peito, um vistoso broche. Montava um altivo
camelo. Aproximando-se do ponto combinado, seus olhos brilharam ao ver Sayad,
que o esperava com largo sorriso.
Era Zaide. Apeou do camelo e abraçou o
amigo, que se apresentava ricamente vestido, com faixas de seda azul, anéis
cravejados de pedras e broches reluzentes. Entrelaçaram-se em afetuoso abraço,
contemplando-se demoradamente, como se o tempo houvesse apagado as rugas de
seus rostos.
Enquanto conversavam, não notaram duas figuras que
se aproximavam ao longe. Um camelo trazia um ancião alquebrado; o outro, um
jovem esbelto, cujo olhar claro irradiava bondade. Era Ogima, que
chegava ao encontro com o rapaz que criara como filho.
O jovem ajudou o velho a descer do camelo e o
acomodou sobre uma pedra. Logo se seguiram abraços e saudações. Após a emoção
inicial, foi Sayad quem tomou a palavra:
— Segui teu conselho, caro Ogima.
Trabalhei muito, multipliquei minha fortuna. É verdade que não tive tempo de
constituir família, mas conquistei grandes riquezas.
Sua voz, contudo, deixou transparecer tristeza:
— Em minha casa há muitos servos,
mas não recordo de ter visto uma criança sequer brincar em meus jardins.
Zaide então acrescentou:
— Também eu vendi o camelo,
obtive lucro e tornei-me grande comerciante. Contudo, jamais conheci um momento
de verdadeira felicidade. Na ânsia de acumular mais, esqueci que a justiça de
Allah é sábia e que cada qual recebe segundo seu mérito. Não formei família,
tampouco conservei amigos. Hoje, cercado de servos, sinto-me só e à beira da
velhice.
Ogima escutou atentamente. Depois, olhando os
amigos, cujos rostos refletiam preocupação, tomou a mão do jovem que o
acompanhava e disse com serenidade:
— Meus irmãos, Allah é sempre
justo em suas leis. Quando, há vinte anos, recebemos aquelas dádivas, pareciam
meros acasos. Mas cada uma era oportunidade de servir ao próximo. Com o
dinheiro que possuís, poderíeis ter feito muito pelo bem. Porém, só acumulastes
bens materiais, e só bens materiais recebestes.
Fez uma pausa e prosseguiu:
— Quando tomei o menino nos
braços, não vi o meu futuro, mas o dele. Sacrifiquei-me, vendi até meu camelo,
trabalhei em dobro. Quis vê-lo estudar e crescer. Hoje, minhas pernas cansadas
mal me sustentam, mas Allah me concedeu em troca algo muito maior: um filho de
coração, cujos braços fortes e cujo amor me amparam na velhice.
Abraçando o jovem, concluiu:
— Despeçamo-nos, amigos, mas
lembrai-vos: fazei o bem aos outros e Allah vos recompensará. Assim é a Lei.
E cada beduíno partiu por seu caminho, meditando na
Justiça Divina e na força transformadora da caridade.
Texto esparso
Introdução
A
humanidade, em sua busca incessante pela felicidade, muitas vezes se engana
quanto à origem real dessa conquista. A sociedade contemporânea, marcada pelo
consumo, pela competição e pelo individualismo, tende a confundir abundância
material com bem-estar espiritual. No entanto, o Espiritismo, codificado por
Allan Kardec no século XIX, ensina que a verdadeira felicidade não está na
posse de bens transitórios, mas no cultivo do amor, da solidariedade e da prática
do bem.
A
parábola dos três beduínos, que se depararam com uma criança, um camelo e uma
bolsa de joias após um incêndio, ilustra de maneira simbólica os diferentes
caminhos que a vida pode apresentar. Dois deles escolheram riquezas e bens de
uso imediato, enquanto um deles preferiu assumir a responsabilidade de criar o
menino. O desfecho mostra, de forma clara, que somente o amor ao próximo gera
frutos duradouros e alegria verdadeira.
Amor e Caridade: A Chave da Felicidade
Na
Doutrina Espírita, a caridade é a expressão maior do amor em ação. Kardec, em O
Evangelho segundo o Espiritismo, afirma que “fora da caridade não há salvação”, resumindo em uma única máxima a
essência do ensinamento de Cristo. Aquele beduíno que assumiu a criança
compreendeu, em seu íntimo, que a vida só adquire sentido quando nos colocamos
a serviço do próximo.
A Revista Espírita (1858-1869), editada
pelo próprio Kardec, traz diversos relatos de Espíritos confirmando que a
felicidade verdadeira é consequência direta do bem realizado. A posse egoísta
de riquezas gera inquietação e solidão, enquanto a dedicação ao próximo
fortalece vínculos de afeto e garante paz interior.
O Contraste entre a Riqueza Material e a Riqueza
Espiritual
Os dois
beduínos que escolheram os bens materiais alcançaram prosperidade, mas não
encontraram alegria. Essa experiência reflete uma realidade ainda presente no
mundo atual: o acúmulo de riquezas não basta para preencher o vazio
existencial. Quantas pessoas, mesmo em meio ao luxo, enfrentam depressão, isolamento
e insatisfação profunda?
Já aquele
que escolheu o menino encontrou, na doação e no sacrifício, uma felicidade
legítima. Sua velhice foi amparada pelo afeto e pela gratidão daquele que criou
como filho. O ensinamento é claro: a lei divina retribui a cada um conforme
suas obras, e o amor dedicado ao próximo retorna multiplicado em alegria e paz
de consciência.
Atualidade da Parábola
Num mundo
marcado pela desigualdade social, pela crise de valores e pelo individualismo
exacerbado, a lição dos beduínos permanece atual. Em nossos dias, o “menino”
pode representar o órfão, o doente, o desamparado, o vizinho solitário ou até
mesmo o desconhecido que cruza nosso caminho. Cuidar desse “menino” é cuidar da
humanidade e, por consequência, de nós mesmos.
O
Espiritismo recorda que a felicidade não é um estado imediato, mas o resultado
da harmonia da consciência e da prática do bem. Quando o ser humano percebe que
sua vida tem valor não pelo que acumula, mas pelo que compartilha, ele descobre
o verdadeiro tesouro que nem o tempo nem as circunstâncias podem destruir.
Conclusão
A
parábola dos três beduínos ilustra uma verdade universal e imortal: a caridade
é o caminho mais seguro para a felicidade. O dinheiro e os bens são úteis, mas
apenas como instrumentos de progresso coletivo, e não como fins em si mesmos.
Assim, ao
escolhermos diariamente entre acumular para nós ou doar ao próximo,
determinamos a qualidade de nossa jornada espiritual. Conforme ensinou Allan
Kardec em O Livro dos Espíritos, “a
verdadeira felicidade do homem não está na Terra, mas na prática do bem que o
aproxima de Deus”.
O amor é
a herança divina que podemos multiplicar infinitamente, sem jamais perder.
Referências
- KARDEC, Allan. O Livro
dos Espíritos. 1857.
- KARDEC, Allan. O
Evangelho segundo o Espiritismo. 1864.
- KARDEC, Allan. Revista
Espírita – Jornal de Estudos Psicológicos (1858-1869).
- KARDEC, Allan. O Céu e o
Inferno. 1865.
- XAVIER, Francisco Cândido. Fonte
Viva. Espíritos Diversos. Federação Espírita Brasileira, 1956.
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