quarta-feira, 24 de setembro de 2025

O VERDADEIRO TESOURO: O AMOR AO PRÓXIMO
E A FELICIDADE DE FAZER O BEM
- A Era do Espírito -

A Parábola

Os Três Beduínos

Três beduínos seguiam por uma estrada deserta. Já estavam cansados, castigados pelo sol abrasador e pelo vento ardente, quando avistaram, junto a um pequeno oásis, as ruínas de uma casa.

A construção havia sido consumida por um incêndio.

Desceram de seus camelos e se aproximaram dos escombros ainda fumegantes. Ali compreenderam, com tristeza, que os moradores — senhores e servos — haviam perecido nas chamas. Para surpresa deles, apenas três coisas haviam escapado à destruição: um garotinho, um camelo de boa raça e uma bolsa repleta de joias e dinheiro.

Logo entenderam o ocorrido. O dono da casa, ao perceber o fogo, conseguira salvar o filho e a bolsa de valores. Tentara, em seguida, resgatar talvez a esposa ou outro familiar, mas não conseguiu retornar.

Diante da cena, os três homens se viram em dilema.

Primeiro: não poderiam abandonar a criança, indefesa naquela solidão cruel.
Segundo: era preciso decidir o destino da bolsa com riquezas.
Terceiro: restava definir a quem caberia o belo camelo.

Para evitar disputas, resolveram lançar sortes. O vencedor escolheria primeiro entre os três destinos.

A sorte favoreceu Ogima, o mais velho. Contemplou a bolsa reluzente, avaliou o valor do camelo e, por fim, pousou o olhar bondoso sobre o menino. Depois de alguns instantes de reflexão, declarou com firmeza:

— Meus amigos, escolho o menino.

Nova sorte foi lançada, e a vez coube a Sayad, que optou pela bolsa de joias. Restou a Zaide o camelo, com o qual se mostrou satisfeito.

Foi então que Ogima falou:

— Allah colocou-nos diante de três caminhos que, embora distintos, trazem iguais oportunidades. A ti, Sayad, cabe multiplicar o tesouro e usá-lo para o bem. A ti, Zaide, com tua habilidade no comércio, competirá aumentar teus bens. Quanto a mim, assumo o dever de cuidar desta criança. Se Allah permitir, voltaremos a este lugar dentro de vinte anos para partilhar os frutos do que recebemos.

Assim, os quatro camelos tomaram rumos diferentes — dois conduzidos por Zaide, que ficara com o animal sorteado e o seu próprio. Sayad partiu levando a bolsa cheia de riquezas, e Ogima seguiu em frente, carregando nos braços o pequeno sobrevivente.

O sol, qual cortina dourada, descia no horizonte, aquecendo o corpo frágil da criança e iluminando o olhar sereno de Ogima.
O sol se foi. E os três beduínos também.

O Reencontro

Passaram-se vinte anos.

No dia marcado, sob o calor intenso da manhã, surgiu ao longe a figura de um homem. Trazia turbante branco, túnica clara, sandálias de fino couro e, no peito, um vistoso broche. Montava um altivo camelo. Aproximando-se do ponto combinado, seus olhos brilharam ao ver Sayad, que o esperava com largo sorriso.

Era Zaide. Apeou do camelo e abraçou o amigo, que se apresentava ricamente vestido, com faixas de seda azul, anéis cravejados de pedras e broches reluzentes. Entrelaçaram-se em afetuoso abraço, contemplando-se demoradamente, como se o tempo houvesse apagado as rugas de seus rostos.

Enquanto conversavam, não notaram duas figuras que se aproximavam ao longe. Um camelo trazia um ancião alquebrado; o outro, um jovem esbelto, cujo olhar claro irradiava bondade. Era Ogima, que chegava ao encontro com o rapaz que criara como filho.

O jovem ajudou o velho a descer do camelo e o acomodou sobre uma pedra. Logo se seguiram abraços e saudações. Após a emoção inicial, foi Sayad quem tomou a palavra:

— Segui teu conselho, caro Ogima. Trabalhei muito, multipliquei minha fortuna. É verdade que não tive tempo de constituir família, mas conquistei grandes riquezas.

Sua voz, contudo, deixou transparecer tristeza:

— Em minha casa há muitos servos, mas não recordo de ter visto uma criança sequer brincar em meus jardins.

Zaide então acrescentou:

— Também eu vendi o camelo, obtive lucro e tornei-me grande comerciante. Contudo, jamais conheci um momento de verdadeira felicidade. Na ânsia de acumular mais, esqueci que a justiça de Allah é sábia e que cada qual recebe segundo seu mérito. Não formei família, tampouco conservei amigos. Hoje, cercado de servos, sinto-me só e à beira da velhice.

Ogima escutou atentamente. Depois, olhando os amigos, cujos rostos refletiam preocupação, tomou a mão do jovem que o acompanhava e disse com serenidade:

— Meus irmãos, Allah é sempre justo em suas leis. Quando, há vinte anos, recebemos aquelas dádivas, pareciam meros acasos. Mas cada uma era oportunidade de servir ao próximo. Com o dinheiro que possuís, poderíeis ter feito muito pelo bem. Porém, só acumulastes bens materiais, e só bens materiais recebestes.

Fez uma pausa e prosseguiu:

— Quando tomei o menino nos braços, não vi o meu futuro, mas o dele. Sacrifiquei-me, vendi até meu camelo, trabalhei em dobro. Quis vê-lo estudar e crescer. Hoje, minhas pernas cansadas mal me sustentam, mas Allah me concedeu em troca algo muito maior: um filho de coração, cujos braços fortes e cujo amor me amparam na velhice.

Abraçando o jovem, concluiu:

— Despeçamo-nos, amigos, mas lembrai-vos: fazei o bem aos outros e Allah vos recompensará. Assim é a Lei.

E cada beduíno partiu por seu caminho, meditando na Justiça Divina e na força transformadora da caridade.

Texto esparso

Introdução

A humanidade, em sua busca incessante pela felicidade, muitas vezes se engana quanto à origem real dessa conquista. A sociedade contemporânea, marcada pelo consumo, pela competição e pelo individualismo, tende a confundir abundância material com bem-estar espiritual. No entanto, o Espiritismo, codificado por Allan Kardec no século XIX, ensina que a verdadeira felicidade não está na posse de bens transitórios, mas no cultivo do amor, da solidariedade e da prática do bem.

A parábola dos três beduínos, que se depararam com uma criança, um camelo e uma bolsa de joias após um incêndio, ilustra de maneira simbólica os diferentes caminhos que a vida pode apresentar. Dois deles escolheram riquezas e bens de uso imediato, enquanto um deles preferiu assumir a responsabilidade de criar o menino. O desfecho mostra, de forma clara, que somente o amor ao próximo gera frutos duradouros e alegria verdadeira.

Amor e Caridade: A Chave da Felicidade

Na Doutrina Espírita, a caridade é a expressão maior do amor em ação. Kardec, em O Evangelho segundo o Espiritismo, afirma que “fora da caridade não há salvação”, resumindo em uma única máxima a essência do ensinamento de Cristo. Aquele beduíno que assumiu a criança compreendeu, em seu íntimo, que a vida só adquire sentido quando nos colocamos a serviço do próximo.

A Revista Espírita (1858-1869), editada pelo próprio Kardec, traz diversos relatos de Espíritos confirmando que a felicidade verdadeira é consequência direta do bem realizado. A posse egoísta de riquezas gera inquietação e solidão, enquanto a dedicação ao próximo fortalece vínculos de afeto e garante paz interior.

O Contraste entre a Riqueza Material e a Riqueza Espiritual

Os dois beduínos que escolheram os bens materiais alcançaram prosperidade, mas não encontraram alegria. Essa experiência reflete uma realidade ainda presente no mundo atual: o acúmulo de riquezas não basta para preencher o vazio existencial. Quantas pessoas, mesmo em meio ao luxo, enfrentam depressão, isolamento e insatisfação profunda?

Já aquele que escolheu o menino encontrou, na doação e no sacrifício, uma felicidade legítima. Sua velhice foi amparada pelo afeto e pela gratidão daquele que criou como filho. O ensinamento é claro: a lei divina retribui a cada um conforme suas obras, e o amor dedicado ao próximo retorna multiplicado em alegria e paz de consciência.

Atualidade da Parábola

Num mundo marcado pela desigualdade social, pela crise de valores e pelo individualismo exacerbado, a lição dos beduínos permanece atual. Em nossos dias, o “menino” pode representar o órfão, o doente, o desamparado, o vizinho solitário ou até mesmo o desconhecido que cruza nosso caminho. Cuidar desse “menino” é cuidar da humanidade e, por consequência, de nós mesmos.

O Espiritismo recorda que a felicidade não é um estado imediato, mas o resultado da harmonia da consciência e da prática do bem. Quando o ser humano percebe que sua vida tem valor não pelo que acumula, mas pelo que compartilha, ele descobre o verdadeiro tesouro que nem o tempo nem as circunstâncias podem destruir.

Conclusão

A parábola dos três beduínos ilustra uma verdade universal e imortal: a caridade é o caminho mais seguro para a felicidade. O dinheiro e os bens são úteis, mas apenas como instrumentos de progresso coletivo, e não como fins em si mesmos.

Assim, ao escolhermos diariamente entre acumular para nós ou doar ao próximo, determinamos a qualidade de nossa jornada espiritual. Conforme ensinou Allan Kardec em O Livro dos Espíritos, “a verdadeira felicidade do homem não está na Terra, mas na prática do bem que o aproxima de Deus”.

O amor é a herança divina que podemos multiplicar infinitamente, sem jamais perder.

Referências

  • KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 1857.
  • KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. 1864.
  • KARDEC, Allan. Revista Espírita – Jornal de Estudos Psicológicos (1858-1869).
  • KARDEC, Allan. O Céu e o Inferno. 1865.
  • XAVIER, Francisco Cândido. Fonte Viva. Espíritos Diversos. Federação Espírita Brasileira, 1956.

 

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