sexta-feira, 12 de setembro de 2025

OBSESSÃO E POSSESSÃO
CAUSAS E MEIOS DE COMBATE
- A Era do Espírito -

Introdução

A obsessão e a possessão sempre despertaram atenção em diferentes tradições religiosas e culturais. Contudo, à luz da Doutrina Espírita codificada por Allan Kardec, esses fenômenos recebem uma interpretação racional e moral, distante de visões místicas ou supersticiosas. O Espiritismo mostra que não se trata de castigos divinos nem de ações de demônios eternamente maus, mas sim de relações entre Espíritos — encarnados e desencarnados — que refletem a lei de afinidade, a influência do meio e o grau de imperfeição moral.

A obsessão segundo O Livro dos Médiuns

Allan Kardec, em O Livro dos Médiuns (1861), classifica a obsessão em três graus principais:

  1. Obsessão simples – O Espírito perturbador intromete-se nas comunicações, substitui Espíritos evocados ou interfere no pensamento do médium. Embora incômodo, o médium mantém consciência do engano e pode resistir.
  2. Fascinação – O Espírito obsessor atua no julgamento da vítima, iludindo-a quanto à qualidade das mensagens ou ideias transmitidas. O médium fascinado acredita cegamente no Espírito comunicante, aceita elogios e afasta-se de quem o poderia esclarecer. É considerada a forma mais perigosa de obsessão, pois paralisa o discernimento.
  3. Subjugação – Trata-se de um constrangimento profundo da vontade, que pode ser moral ou física. O obsidiado sente-se forçado a agir contra a própria vontade, chegando a apresentar movimentos involuntários, palavras ou atitudes que não controla.

Kardec observa que, em todos os graus, a porta de entrada da obsessão está ligada a disposições morais, sendo o orgulho e o egoísmo os principais fatores de vulnerabilidade.

A questão da possessão: evolução do pensamento de Kardec

Inicialmente, Kardec rejeitou o termo possessão por associá-lo à ideia teológica de demônios eternos e à noção de tomada definitiva do corpo por um Espírito estranho. Na Revista Espírita de outubro de 1858, afirmou:

“Para nós, a possessão seria um sinônimo de subjugação. Se não adotamos esse termo, foi por dois motivos: primeiro, porque implica a crença em seres criados e votados perpetuamente ao mal (...); segundo, porque pressupõe igualmente a ideia de tomada de posse do corpo por um Espírito estranho, uma espécie de coabitação, quando só há constrangimento.”

Contudo, a observação de casos práticos levou-o a rever essa posição. O mais notável foi o “Caso da Senhorita Júlia”, publicado na Revista Espírita de dezembro de 1863 e janeiro de 1864.

O caso da Senhorita Júlia

  • A vítima: jovem de 23 anos, de temperamento dócil, natural da Saboia.
  • O fenômeno: após longos períodos de sonambulismo natural, passou a ser dominada por um Espírito identificado como Fredegunda, que se manifestava por sua voz e atitudes, impondo-lhe sofrimentos.
  • O tratamento: a intervenção da Sociedade Espírita de Paris, sob orientação de Espíritos protetores, conseguiu libertá-la. O Espírito obsessor foi esclarecido e aceitou melhorar-se, pedindo uma nova encarnação para reparar suas faltas.
  • Os ensinamentos: o caso mostrou que pode haver verdadeira possessão, isto é, uma substituição parcial e temporária do Espírito encarnado por um desencarnado. A experiência também ressaltou o papel do meio: a união de pensamento e a atmosfera fluídica favorável foram decisivas para o êxito.

Kardec, diante da evidência, concluiu:

“Voltamos à nossa asserção absoluta, porque agora nos é demonstrado que pode haver verdadeira possessão, isto é, substituição, posto que parcial, de um Espírito errante a um encarnado.” (Revista Espírita, dez. 1863).

A obsessão e a possessão em A Gênese

Em A Gênese (1868), Kardec retoma o tema, reconhecendo que a obsessão pode atingir diferentes graus até chegar à possessão. Ressalta que tais fenômenos não são sobrenaturais, mas efeitos naturais da lei de afinidade entre os Espíritos. Mostra ainda que nem toda possessão é maléfica: Espíritos superiores também podem, em casos especiais, influenciar diretamente um encarnado, mas sempre para fins úteis e transitórios.

Causas da obsessão e da possessão

As causas principais, segundo Kardec e confirmadas por estudos posteriores, são:

  • Moral do obsidiado: orgulho, egoísmo, vaidade e vícios atraem Espíritos de mesma natureza.
  • Laços anteriores: inimizades e compromissos do passado podem gerar perseguições espirituais.
  • Ambiente: meios desarmonizados, dominados por interesses materiais ou conflitos, favorecem a ação dos maus Espíritos.

Meios de combate

O Espiritismo propõe recursos racionais e morais para a libertação:

  1. Transformação íntima – O obsidiado deve esforçar-se por melhorar-se moralmente, substituindo vícios por virtudes.
  2. Oração e vigilância – A prece sincera eleva a vibração do Espírito e atrai a assistência dos bons Espíritos.
  3. Evangelho e instrução – O estudo das leis divinas esclarece e fortalece a vontade.
  4. Ambiente harmonioso – A união de pensamentos elevados, especialmente em reuniões mediúnicas sérias, cria fluidos benéficos que enfraquecem o obsessor.
  5. Esclarecimento do Espírito sofredor – O diálogo fraterno, conduzido por médiuns sérios e assistido por Espíritos superiores, auxilia o obsessor a compreender sua condição e buscar a regeneração.

Em casos graves de subjugação ou possessão, quando a vítima não consegue reagir por si mesma, é necessária a intervenção de terceiros, conforme recomenda Kardec.

Conclusão

A obsessão e a possessão, à luz do Espiritismo, não são mistérios inexplicáveis, mas fenômenos que obedecem a leis naturais e morais. Longe da visão punitiva ou sobrenatural, representam oportunidades de aprendizado, tanto para os obsidiados quanto para os obsessores. O combate eficaz não está em ritos exteriores, mas na transformação moral, na força da prece e na solidariedade fraterna.

O estudo desses fenômenos, iniciado por Kardec e registrado em O Livro dos Médiuns, na Revista Espírita e em A Gênese, continua atual e necessário em uma sociedade marcada por ansiedade, desequilíbrios e conflitos espirituais. Ele nos lembra que a verdadeira libertação começa pelo autodomínio e pelo cultivo do bem.

Referências

  • KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. FEB.
  • KARDEC, Allan. Revista Espírita (1858-1869). FEB.
  • KARDEC, Allan. A Gênese. FEB.
  • KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. FEB.
  • PIRES, José Herculano. Obsessão, o Passe e a Doutrinação. Paideia.

 

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