Introdução
O ser
humano, em diferentes culturas e tradições religiosas, manifesta sua fé por
meio de rituais de sacrifício, promessas e demonstrações públicas de devoção.
Seja no sertão nordestino, onde fiéis percorrem longas distâncias em condições
precárias para cumprir votos diante de imagens, seja em grandes centros de
peregrinação, como a templos religiosos, o fenômeno se repete. Em comum, está a
crença de que Deus ou os santos respondem com benefícios materiais e espirituais
a tais gestos de autoimolação.
No
entanto, a Doutrina Espírita, codificada por Allan Kardec, convida-nos a
refletir sobre a racionalidade da fé e a compreender que a relação entre a
criatura e o Criador não pode ser reduzida a barganhas espirituais. O
verdadeiro caminho de elevação não está na promessa material ou no espetáculo
de sacrifícios, mas no esforço íntimo de transformação moral, fortalecido pela
prece e pelo cumprimento das leis divinas.
O comércio da fé e a promessa como ilusão
Ao analisarmos
esse fenômeno com serenidade, percebemos que a promessa, enquanto negociação
com Deus, nasce da falta de esclarecimento espiritual. Muitos acreditam que, ao
subir escadarias de joelhos ou carregar cruzes pesadas, estarão comprando a
misericórdia divina. Mas, como nos ensina O Evangelho Segundo o Espiritismo,
o Pai não se deixa comover por exterioridades; sua justiça e bondade não podem
ser “compradas”.
As provas
e dificuldades da vida fazem parte do processo educativo do Espírito. Tentarmos
negociar com Deus para nos livrarmos delas seria negar o próprio sentido da
reencarnação, que é o aprendizado pela experiência. Se Deus retirasse todos os
obstáculos diante de uma promessa, onde estaria o mérito das nossas vitórias?
Fanatismo e fé cega
Kardec
alerta, em O Evangelho Segundo o Espiritismo, que o fanatismo nada mais
é do que a fé cega levada ao excesso, aceitando o falso como verdadeiro sem
exame racional. É exatamente esse fanatismo que sustenta práticas exteriores
destituídas de sentido espiritual.
A fé
espírita, ao contrário, é racional: “Não
basta ver, é preciso compreender” — ensina a Codificação. Uma fé que se
fundamenta na razão e na experiência não precisa de artifícios, mas se traduz
em serenidade, confiança e prática do bem.
O papel do esclarecimento e da caridade
Não se
trata de criticar ou ridicularizar aqueles que recorrem às promessas, mas de
compreender que todos nós, em algum momento de nossa caminhada evolutiva, já
recorremos a práticas semelhantes, seja nesta ou em outras existências. O que
nos cabe hoje é auxiliar com fraternidade e humildade, oferecendo
esclarecimento e mostrando caminhos mais elevados.
A
caridade, que segundo a Doutrina Espírita é benevolência, indulgência e perdão,
também se manifesta no esforço de instruir nossos irmãos sem presunção, mas com
amor. Como lembra a Revista Espírita, o conhecimento das leis divinas é
uma das maiores formas de caridade, pois ilumina consciências e evita
sofrimentos desnecessários.
A verdadeira promessa
Em vez de
negociar com Deus, a proposta espírita é simples e profunda: fazer da prece um
recurso de fortalecimento íntimo, pedindo coragem e serenidade para enfrentar
as dificuldades. A verdadeira promessa que podemos oferecer ao Criador é o
compromisso íntimo de progredir moralmente, de lutar contra nossas más
inclinações e de praticar a caridade em todas as circunstâncias.
Esse é o
sacrifício mais agradável a Deus: o da nossa vaidade, do egoísmo e do orgulho.
Conclusão
O
fenômeno das promessas, ainda tão presente em diferentes culturas, expressa uma
fé que, embora sincera, carece de esclarecimento. O Espiritismo nos recorda que
não há necessidade de negociar com o Criador, pois Ele já nos ama
infinitamente. O que nos cabe é transformar a fé cega em fé raciocinada,
sustentada pelo conhecimento, pela razão e pela prática da caridade.
A
verdadeira libertação espiritual não se encontra em joelhos feridos ou cruzes
carregadas, mas na renovação da consciência que, conhecendo a verdade, aprende
a caminhar de cabeça erguida e coração sereno rumo ao progresso.
Referências
- KARDEC, Allan. O Livro
dos Espíritos. 1857.
- KARDEC, Allan. O
Evangelho Segundo o Espiritismo. 1864.
- KARDEC, Allan. Revista
Espírita – Jornal de Estudos Psicológicos. 1858-1869.
- COSTA, Mauro da Silva. “As
Promessas”, artigo.
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