Introdução
A
Oração Dominical, conhecida universalmente como “Pai Nosso”, é, segundo os
Espíritos que inspiraram Allan Kardec, o mais completo modelo de prece deixado
à humanidade. Vinda dos lábios do próprio Cristo, ela sintetiza, em poucas
palavras, todos os deveres do ser humano para com Deus, para consigo mesmo e
para com o próximo. É uma súplica, uma profissão de fé e um código moral
condensado, cuja profundidade transcende o mero ato verbal.
No Evangelho
segundo o Espiritismo (cap. XXVIII), Kardec esclarece que a oração do
Senhor não é apenas uma fórmula a ser repetida, mas um roteiro de ascensão
espiritual. Cada frase contém princípios de moral universal, leis divinas e
lições práticas de convivência e de fé. Em tempos de imediatismo e
superficialidade espiritual, revisitar o Pai Nosso à luz da Doutrina
Espírita é reencontrar o sentido do diálogo consciente com o Criador.
1. “Pai Nosso que estais no céu, santificado seja o
vosso nome”
O
Espiritismo revela um Deus que é Pai, Inteligência Suprema e causa primária de
todas as coisas (O Livro dos Espíritos, q. 1). Essa concepção rompe com
a ideia antropomórfica e punitiva do passado. Santificar o nome divino
significa reconhecer Sua presença nas leis da Natureza, nas expressões da vida
e na ordem moral que rege o Universo. A oração, nesse ponto, é um ato de
reverência racional — não ao Deus distante dos templos, mas ao Deus imanente
que habita a consciência.
2. “Venha a nós o vosso Reino”
O
“Reino de Deus”, segundo o Cristo, não é um lugar geográfico, mas um estado de
consciência. Allan Kardec, na Revista Espírita (fev. 1862), explica que
esse Reino se estabelece à medida que a lei de amor, justiça e caridade domina
o coração humano. Assim, não se trata de esperar o advento de um reino
exterior, mas de cooperar ativamente para sua construção moral. Cada gesto de
fraternidade aproxima o planeta da regeneração espiritual prevista pela lei do
progresso.
3. “Seja feita a vossa vontade, assim na Terra como
no Céu”
Fazer
a vontade divina é harmonizar-se com as leis naturais que expressam Sua
sabedoria. A resignação diante das provações não é passividade, mas compreensão
de que a vida segue uma pedagogia divina. Como ensina O Evangelho segundo o
Espiritismo (cap. IX), “a submissão é
o consentimento da razão”. O homem sábio aceita os desígnios de Deus porque
reconhece neles o caminho do aprendizado e da elevação.
4. “O pão nosso de cada dia, dai-nos hoje”
O pão
material representa o sustento físico, fruto do trabalho e da solidariedade. O
pão espiritual simboliza o alimento da alma — a verdade, o consolo e a fé. O
Espiritismo reforça que o trabalho é lei divina (cap. XXV do Evangelho),
meio de progresso e instrumento de justiça distributiva. Rogar o pão cotidiano
é, portanto, pedir forças para merecê-lo, sabedoria para usá-lo e generosidade
para compartilhá-lo.
5. “Perdoai as nossas dívidas, assim como nós
perdoamos aos nossos devedores”
A
justiça divina, segundo Kardec, não é vingativa, mas reparadora. Cada falta é
uma lição, e cada expiação, um convite ao reajuste. O perdão, nesse contexto, é
o antídoto moral que liberta o Espírito da corrente das aflições. Sem perdoar,
não se progride; sem amar, não se compreende Deus. Quando Jesus ensinou essa
frase, estabeleceu uma lei de reciprocidade espiritual: só receberemos
misericórdia na medida em que formos misericordiosos.
6. “Não nos deixeis cair em tentação, mas
livrai-nos do mal”
O mal,
ensina a Doutrina Espírita, não é criação divina, mas resultado da imperfeição
humana. A tentação é o campo de prova onde o Espírito testa sua vontade. Como
recorda Kardec (O Livro dos Médiuns, cap. XXIII), as más influências
espirituais só atuam onde encontram ressonância moral. A vigilância e a oração
são, portanto, recursos de autodefesa psíquica, fortalecendo o livre-arbítrio e
atraindo o amparo dos Espíritos superiores.
7. “Assim seja” — a entrega consciente
O
“amém” cristão, traduzido como “assim seja”, é o selo da confiança em Deus. O
Espiritismo amplia seu significado: não é uma rendição cega, mas um
consentimento lúcido diante das leis universais. É o reconhecimento de que,
além das aparências, tudo concorre para o bem e para o progresso do Espírito
imortal.
Conclusão
A
Oração Dominical, relida à luz da Doutrina Espírita, transcende o rito e
torna-se um código ético de aperfeiçoamento. Ela educa o pensamento, purifica o
sentimento e desperta o senso de responsabilidade espiritual. Dita com
entendimento e sinceridade, é instrumento de sintonia com os Bons Espíritos e
de harmonização interior.
Mais
do que repetir palavras, é preciso vivê-las. O verdadeiro “Pai Nosso” começa
quando reconhecemos todos como irmãos e buscamos que o Reino de Deus floresça,
antes de tudo, dentro de nós.
Referências
- KARDEC, Allan. O Evangelho
segundo o Espiritismo. Cap. XXVIII – Coletânea de Preces Espíritas.
- KARDEC, Allan. O Livro dos
Espíritos. 1857.
- KARDEC, Allan. O Livro dos
Médiuns. 1861.
- KARDEC, Allan. Revista
Espírita (1858–1869).
- XAVIER, Francisco
Cândido (Espírito Emmanuel). Roteiro. Cap. 7 – “Oração e
Trabalho”.
- XAVIER, Francisco
Cândido (Espírito André Luiz). Mecanismos da Mediunidade. Cap.
25 – “Correntes Mentais e Prece”.
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