domingo, 19 de outubro de 2025

A ORAÇÃO DOMINICAL E O ESPÍRITO DO EVANGELHO
UMA LEITURA ESPÍRITA E CONTEMPORÂNEA
- A Era do Espírito -

Introdução

A Oração Dominical, conhecida universalmente como “Pai Nosso”, é, segundo os Espíritos que inspiraram Allan Kardec, o mais completo modelo de prece deixado à humanidade. Vinda dos lábios do próprio Cristo, ela sintetiza, em poucas palavras, todos os deveres do ser humano para com Deus, para consigo mesmo e para com o próximo. É uma súplica, uma profissão de fé e um código moral condensado, cuja profundidade transcende o mero ato verbal.

No Evangelho segundo o Espiritismo (cap. XXVIII), Kardec esclarece que a oração do Senhor não é apenas uma fórmula a ser repetida, mas um roteiro de ascensão espiritual. Cada frase contém princípios de moral universal, leis divinas e lições práticas de convivência e de fé. Em tempos de imediatismo e superficialidade espiritual, revisitar o Pai Nosso à luz da Doutrina Espírita é reencontrar o sentido do diálogo consciente com o Criador.

1. “Pai Nosso que estais no céu, santificado seja o vosso nome”

O Espiritismo revela um Deus que é Pai, Inteligência Suprema e causa primária de todas as coisas (O Livro dos Espíritos, q. 1). Essa concepção rompe com a ideia antropomórfica e punitiva do passado. Santificar o nome divino significa reconhecer Sua presença nas leis da Natureza, nas expressões da vida e na ordem moral que rege o Universo. A oração, nesse ponto, é um ato de reverência racional — não ao Deus distante dos templos, mas ao Deus imanente que habita a consciência.

2. “Venha a nós o vosso Reino”

O “Reino de Deus”, segundo o Cristo, não é um lugar geográfico, mas um estado de consciência. Allan Kardec, na Revista Espírita (fev. 1862), explica que esse Reino se estabelece à medida que a lei de amor, justiça e caridade domina o coração humano. Assim, não se trata de esperar o advento de um reino exterior, mas de cooperar ativamente para sua construção moral. Cada gesto de fraternidade aproxima o planeta da regeneração espiritual prevista pela lei do progresso.

3. “Seja feita a vossa vontade, assim na Terra como no Céu”

Fazer a vontade divina é harmonizar-se com as leis naturais que expressam Sua sabedoria. A resignação diante das provações não é passividade, mas compreensão de que a vida segue uma pedagogia divina. Como ensina O Evangelho segundo o Espiritismo (cap. IX), “a submissão é o consentimento da razão”. O homem sábio aceita os desígnios de Deus porque reconhece neles o caminho do aprendizado e da elevação.

4. “O pão nosso de cada dia, dai-nos hoje”

O pão material representa o sustento físico, fruto do trabalho e da solidariedade. O pão espiritual simboliza o alimento da alma — a verdade, o consolo e a fé. O Espiritismo reforça que o trabalho é lei divina (cap. XXV do Evangelho), meio de progresso e instrumento de justiça distributiva. Rogar o pão cotidiano é, portanto, pedir forças para merecê-lo, sabedoria para usá-lo e generosidade para compartilhá-lo.

5. “Perdoai as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores”

A justiça divina, segundo Kardec, não é vingativa, mas reparadora. Cada falta é uma lição, e cada expiação, um convite ao reajuste. O perdão, nesse contexto, é o antídoto moral que liberta o Espírito da corrente das aflições. Sem perdoar, não se progride; sem amar, não se compreende Deus. Quando Jesus ensinou essa frase, estabeleceu uma lei de reciprocidade espiritual: só receberemos misericórdia na medida em que formos misericordiosos.

6. “Não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal”

O mal, ensina a Doutrina Espírita, não é criação divina, mas resultado da imperfeição humana. A tentação é o campo de prova onde o Espírito testa sua vontade. Como recorda Kardec (O Livro dos Médiuns, cap. XXIII), as más influências espirituais só atuam onde encontram ressonância moral. A vigilância e a oração são, portanto, recursos de autodefesa psíquica, fortalecendo o livre-arbítrio e atraindo o amparo dos Espíritos superiores.

7. “Assim seja” — a entrega consciente

O “amém” cristão, traduzido como “assim seja”, é o selo da confiança em Deus. O Espiritismo amplia seu significado: não é uma rendição cega, mas um consentimento lúcido diante das leis universais. É o reconhecimento de que, além das aparências, tudo concorre para o bem e para o progresso do Espírito imortal.

Conclusão

A Oração Dominical, relida à luz da Doutrina Espírita, transcende o rito e torna-se um código ético de aperfeiçoamento. Ela educa o pensamento, purifica o sentimento e desperta o senso de responsabilidade espiritual. Dita com entendimento e sinceridade, é instrumento de sintonia com os Bons Espíritos e de harmonização interior.

Mais do que repetir palavras, é preciso vivê-las. O verdadeiro “Pai Nosso” começa quando reconhecemos todos como irmãos e buscamos que o Reino de Deus floresça, antes de tudo, dentro de nós.

Referências

  • KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Cap. XXVIII – Coletânea de Preces Espíritas.
  • KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 1857.
  • KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. 1861.
  • KARDEC, Allan. Revista Espírita (1858–1869).
  • XAVIER, Francisco Cândido (Espírito Emmanuel). Roteiro. Cap. 7 – “Oração e Trabalho”.
  • XAVIER, Francisco Cândido (Espírito André Luiz). Mecanismos da Mediunidade. Cap. 25 – “Correntes Mentais e Prece”.

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