Introdução
A
humanidade sempre se deparou com o desafio de equilibrar o crescimento
populacional e os recursos disponíveis. Em um planeta que ultrapassou os oito
bilhões de habitantes em 2025, a preocupação com a fome, a sustentabilidade e a
preservação ambiental tornou-se central no debate ético e científico. A
Doutrina Espírita, codificada por Allan Kardec, oferece uma visão complementar e
profunda sobre esses temas, integrando o progresso material e o aperfeiçoamento
moral como partes inseparáveis da Lei de Progresso.
Enquanto
a ciência avança na busca por soluções biotecnológicas que aumentem a
produtividade agrícola e reduzam o impacto ambiental, o Espiritismo nos recorda
que tais conquistas devem estar em consonância com os valores morais,
espirituais e humanitários, para que o conhecimento seja instrumento de
evolução e não de desequilíbrio.
1. O Equilíbrio Populacional e a Lei Natural
Desde
o século XIX, Allan Kardec já havia abordado, em O Livro dos Espíritos
(questão 687), a preocupação com a superpopulação, recebendo dos Espíritos
Superiores a resposta de que “Deus a isto
provê, mantendo sempre o equilíbrio”. Assim, a Terra possui mecanismos
naturais — físicos, biológicos e espirituais — que regulam sua população,
assegurando que nada se faça fora dos desígnios divinos.
No
entanto, o uso indevido da liberdade humana, a má distribuição de recursos e a
desigualdade social são causas diretas da fome e da miséria, e não a falta de
alimentos. Segundo dados da FAO (Organização das Nações Unidas para a
Alimentação e Agricultura), o planeta produz atualmente comida suficiente para
alimentar toda a população mundial, mas quase um terço dos alimentos é
desperdiçado. Essa contradição reflete não um problema técnico, mas
essencialmente moral — tema central da Doutrina Espírita.
2. O Papel da Ciência na Lei de Progresso
A Lei
de Progresso, descrita por Kardec (LE, questões 776–783), assegura que o desenvolvimento
científico é parte integrante da evolução espiritual da humanidade. O homem é
instrumento de Deus para transformar e aperfeiçoar o mundo. Nesse sentido, os
avanços da biotecnologia — como a transgenia, a engenharia genética e a
clonagem terapêutica — representam etapas legítimas do aprendizado humano,
desde que guiadas pela ética e pelo respeito à vida.
Na
agricultura, os organismos geneticamente modificados (OGMs) e as novas técnicas
de melhoramento genético têm permitido aumentar a produtividade, reduzir o uso
de agrotóxicos e melhorar o valor nutricional dos alimentos. Entretanto, como
ensina A Gênese, capítulo I, “o
Espiritismo e a Ciência completam-se mutuamente”: o primeiro fornece a
direção moral, o segundo, os meios materiais. O desequilíbrio surge quando a
ciência se desvia do seu papel de servir à vida e ao bem comum.
3. Biotecnologia e Responsabilidade Espiritual
O
avanço tecnológico não deve ser visto como afronta à natureza, mas como
expressão da inteligência humana — atributo espiritual em desenvolvimento.
Conforme a questão 192 de O Livro dos Espíritos, “Tudo se deve fazer para chegar à perfeição. O próprio homem é um
instrumento de que Deus se serve para atingir os seus fins”.
Dessa
forma, a manipulação genética, a clonagem reprodutiva e terapêutica, e outras
formas de biogenética são moralmente aceitáveis quando aplicadas com
discernimento, visando ao benefício da coletividade e à preservação da vida.
Contudo, o Espiritismo alerta contra o abuso da autoridade científica e o orgulho
intelectual — causas históricas de desequilíbrios éticos e ecológicos.
Em
linguagem atual, isso significa que o desenvolvimento da biotecnologia deve
caminhar lado a lado com políticas de biosegurança, sustentabilidade ambiental
e justiça social — princípios que refletem a Lei de Amor, Justiça e Caridade
(LE, questão 876).
4. Fome, Migrações e Oportunidades Reencarnatórias
Os
desequilíbrios populacionais e ambientais também possuem dimensões espirituais.
Kardec, em A Gênese, capítulo XI, explica que os movimentos de emigração
e imigração dos Espíritos — tanto no plano material quanto no espiritual —
obedecem à Lei do Progresso e têm como finalidade o reajuste coletivo. As
catástrofes naturais, os grandes fluxos migratórios e até as crises
demográficas são instrumentos de renovação moral e reequilíbrio planetário.
Ao
mesmo tempo, o aumento da produção de alimentos e a melhoria das condições de
vida ampliam as oportunidades reencarnatórias, permitindo que Espíritos
necessitados encontrem corpos adequados ao seu progresso. A fome e a miséria,
portanto, não são fatalidades divinas, mas resultados da imperfeição humana,
cuja superação faz parte da evolução do Espírito em direção ao bem.
5. O Desafio Ético do Século XXI
A
Doutrina Espírita nos convida a compreender que o verdadeiro progresso não é
apenas tecnológico, mas espiritual. De nada servirá dominar o DNA, criar
alimentos perfeitos e prolongar a vida se o homem continuar movido pelo
egoísmo, pelo lucro e pela indiferença.
A
“tragédia da indiferença” é o grande obstáculo da atualidade: enquanto milhões
passam fome, uma parte da humanidade acumula desperdício e riqueza
desnecessária. A ciência pode mitigar os efeitos da fome, mas só o amor — a lei
suprema do universo — pode erradicá-la em sua causa moral.
Conclusão
A
biotecnologia e os avanços científicos representam ferramentas valiosas nas
mãos do homem, mas seu valor dependerá do uso ético e solidário que lhes
dermos. O Espiritismo, ao unir ciência e moral, recorda-nos que o progresso
material deve servir ao espiritual, e que o verdadeiro desenvolvimento humano
ocorre quando a inteligência se ilumina pelo amor e pela responsabilidade.
O
equilíbrio populacional, a sustentabilidade e a segurança alimentar não são
apenas metas econômicas — são expressões da Lei Divina que conduz a humanidade
à regeneração do planeta, preparando a Terra para o tempo em que, conforme O
Livro dos Espíritos (questão 1018), “os
bons Espíritos habitarão o mundo e sobrepor-se-ão aos maus”.
Referências
- KARDEC, Allan. O
Livro dos Espíritos. FEB.
- KARDEC, Allan. A
Gênese. FEB.
- KARDEC, Allan. Revista
Espírita (1858–1869).
- BARRETO, Henri B.
F. “Biotecnologia: uma solução para o crescimento da população e a fome
no mundo?” Revista Internacional de Espiritismo, Ano LXXX, nº
6, julho de 2005.
- FAO (Food and
Agriculture Organization). The State of Food Security and Nutrition in
the World 2024.
- Lei de Biosegurança
nº 11.105, de 24 de março de 2005.
- Relatório Our
Common Future (ONU, 1987) — Comissão Brundtland.
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