A belíssima oração ensinada por Jesus aos apóstolos
— o Pai Nosso — traz, em sua última parte, uma súplica profunda: "Não
nos deixeis cair em tentações...". Embora familiar, essa frase requer
reflexão cuidadosa para evitar interpretações equivocadas das palavras do
Mestre. O Espiritismo, com sua clareza doutrinária, oferece-nos uma chave
valiosa de entendimento.
1. O que
são tentações?
O termo "tentação"
provém do latim tentare, que significa tocar, sondar, experimentar,
procurar seduzir ou corromper. Em essência, a tentação é a ação de instigar
o ser humano ao erro, testar seus limites morais e espirituais.
A benfeitora Joanna de Ângelis esclarece com
precisão:
“A
tentação representa uma avaliação em torno das conquistas do equilíbrio, por
parte de quem busca o melhor, na trilha do aperfeiçoamento próprio.” (Leis Morais da Vida, pág. 140,
psicografia de Divaldo Franco)
De forma semelhante, o autor espírita Rodolfo
Calligaris, em Sermão da Montanha (cap. 6), afirma que o ser humano
precisa passar por situações difíceis e contraditórias para desenvolver
discernimento, utilizar o livre-arbítrio e escolher o bem, evoluindo moral e
intelectualmente.
Logo, a tentação não é punição, mas oportunidade
educativa. É um "exame
espiritual", um sistema de aferição de nossas resistências morais.
Vencê-la é galgar patamares mais altos. Ceder a ela é estacionar — ou repetir
lições de vida até a verdadeira aprendizagem.
2. O que
nos ensina Allan Kardec?
A Doutrina Espírita, por meio da Codificação, trata
da tentação como prova e estímulo ao progresso.
Na questão 712-a de O Livro dos Espíritos,
Kardec pergunta sobre o atrativo dos bens materiais:
Qual o objetivo dessa tentação?
Resposta dos Espíritos:
“Desenvolver-lhe a razão, que deve
preservá-lo dos excessos.”
Ou seja, as tentações também exercem o papel de
despertar a consciência e desenvolver virtudes, como a moderação, a renúncia e
o equilíbrio. São desafios pedagógicos da Lei Divina.
3. A
origem das tentações: interna e externa
A primeira origem das tentações está no interior
do próprio indivíduo. São os reflexos de suas experiências passadas, de
tendências ainda não vencidas, resíduos de condutas equivocadas que carregamos
de existências anteriores.
Como diz Emmanuel:
“A
árvore equilibra-se sobre sua própria raiz, como o homem, no presente, respira
o influxo do passado.” (Religião
dos Espíritos, pág. 19)
Essa sombra interior, que ainda se enovela em nossos
pensamentos, é o campo fértil onde germinam as tentações. São fragilidades que,
se não reconhecidas e enfrentadas, perpetuam a queda moral.
A segunda origem está fora do homem,
e diz respeito à influência dos Espíritos inferiores, que, em sintonia com
nossas imperfeições, se aproveitam de nossas fraquezas para nos
desestabilizar.
Emmanuel descreve esse processo como um ataque
gradual, que começa por ideias aparentemente inofensivas e evolui até o
domínio da obsessão:
“Leves
debuxos mentais nos incomodam de leve... e passam, muitas vezes, ao domínio da
obsessão manifesta.”
4. A
vigilância do pensamento: conexão com o mundo espiritual
A Doutrina Espírita é clara ao afirmar que estamos
mergulhados num oceano de pensamentos e influências espirituais. Nosso
pensamento é energia que vibra numa determinada faixa, atraindo Espíritos
afins — encarnados ou desencarnados.
“Pensar
mal” é abrir a porta da sintonia com inteligências
igualmente desequilibradas.
Daí a recomendação vigilante de Jesus:
"Vigiai e orai, para não cairdes em
tentação!" (Marcos 14:38)
A vigilância é o policiamento constante dos
próprios pensamentos, palavras e ações. A oração é o recurso de elevação e
proteção espiritual. Juntos, são um escudo seguro contra as sugestões do mal.
5. O
sentido verdadeiro do pedido “não nos deixeis cair em tentação”
Quando oramos “não nos deixeis cair em tentações”,
não estamos pedindo para escapar das provas necessárias, mas rogando
assistência e amparo do Alto, para que não fraquejemos diante das
escolhas erradas.
A responsabilidade é sempre nossa, pois
temos o livre-arbítrio. O auxílio divino se manifesta como intuições,
inspirações e amparo espiritual — mas a decisão de agir bem cabe ao nosso
esforço pessoal.
“O
mal só é irresistível para aquele que nele se compraz.” (O Livro dos Espíritos, q. 645)
6. A
vitória sobre o mal é possível
O Espiritismo mostra que ninguém está condenado
ao erro. O mal não é fatalidade, e a tentação não é derrota certa.
“O
cultivo da bondade incessante é recurso eficaz contra o assédio de toda
influência perniciosa.” (Emmanuel, idem)
Unamos, portanto, vigilância, oração e trabalho no bem. A bondade ativa é o antídoto mais poderoso contra as tentações. Que nossas ações sejam inspiradas no bem constante e que a oração seja a luz que nos guia. Assim, caminharemos protegidos e fortalecidos, sob as bênçãos do Pai e do Cristo, nosso guia e modelo.
ReferênciasGHIGGINO, Ivone Molinaro. Pai: não nos deixeis cair em tentações..
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Questão 712-a, q. 645.
KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. FEB.
CALLIGARIS, Rodolfo. Sermão da Montanha, cap. 6.
JOANNA DE ÂNGELIS (espírito). Leis Morais da Vida. Psicografia de Divaldo Franco.
EMMANUEL (espírito). Religião dos Espíritos. Psicografia de Francisco Cândido Xavier.
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