Introdução
Em meio às tantas desigualdades que marcam o mundo
contemporâneo, histórias de dor e resistência nos convidam a refletir sobre a
fé, a esperança e o valor da vida. Recentemente, um documentário intitulado Vivendo
entre os mortos mostrou a realidade de famílias haitianas que, por falta de
condições mínimas de moradia, passaram a viver em jazigos de um cemitério.
Entre os depoimentos, destacou-se o de uma anciã que, aflita ao cuidar de dez
netos abandonados pela filha, disse: “Se o suicídio não fosse um pecado, há
muito eu estaria morta.”
Essa frase, marcada por sofrimento e resignação,
revela o drama humano diante da miséria e do desamparo social. Mas também
suscita uma reflexão mais profunda: qual é o verdadeiro papel da fé na
superação das provações? E por que o suicídio não representa um alívio, mas sim
uma dolorosa ilusão?
A Dura
Realidade e a Fragilidade Humana
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais
de 700 mil pessoas morrem por suicídio a cada ano, e milhões de outras tentam
pôr fim à vida. Os fatores são diversos: pobreza extrema, crises emocionais,
doenças, isolamento ou falta de perspectivas. No entanto, por trás de cada caso
há uma mesma raiz: a perda de sentido existencial.
No caso da anciã haitiana, a consciência de que o
suicídio seria um erro a impediu de ceder ao desespero. Sua crença simples,
mesmo limitada a uma noção de pecado, funcionou como amparo moral. Essa fé
rudimentar cumpriu o papel de sustentar a vida em meio à dor, mostrando que a
ligação com o sagrado é muitas vezes a única barreira contra o abismo.
A Visão
Espírita sobre o Suicídio
O Espiritismo, desde O Livro dos Espíritos
(questões 943 a 957), trata do suicídio como uma violação grave da lei natural.
Não se trata apenas de “pecado” no sentido religioso, mas de uma agressão
contra o próprio Espírito, que interrompe o ciclo de provas e aprendizagens
programado antes da reencarnação.
Na Revista Espírita (dezembro de 1858),
Allan Kardec analisou comunicações de Espíritos suicidas que, em vez de
encontrarem a paz esperada, relatavam sofrimentos ainda maiores, consequência
direta do ato. A morte voluntária não resolve os problemas, apenas prolonga a
angústia em outra dimensão da existência.
Assim, ao ensinar que a vida é uma oportunidade
concedida por Deus e que cada provação tem um propósito educativo, o
Espiritismo oferece um entendimento racional e consolador: por mais dura que
seja a dor, ela é temporária, enquanto o Espírito é eterno.
A Fé como
Antídoto contra o Desespero
O antídoto contra a tentação do suicídio é a fé —
não uma fé cega, mas esclarecida, capaz de enxergar a vida além da matéria.
Kardec afirmou: “A fé inabalável é somente a que pode encarar a razão, face
a face, em todas as épocas da humanidade.” (O Evangelho segundo o
Espiritismo, cap. XIX).
Essa fé racional nos dá a certeza de que:
- a vida continua após a morte;
- os sofrimentos têm causa justa, ainda que desconhecida no presente;
- não há dor eterna, mas etapas de aprendizado e reparação;
- sempre existem recursos espirituais e humanos para amparar quem
sofre.
Para quem não possui esse esclarecimento, a fé
simples, mesmo baseada apenas na noção de certo e errado, pode ser um
sustentáculo poderoso, como no caso da anciã haitiana. Mas para quem conhece a
Doutrina Espírita, a responsabilidade é maior: além de manter a própria fé,
cabe estender solidariedade aos que caminham no limite do desespero.
Compromisso
Moral diante da Dor alheia
A reflexão que nasce dessa história não pode ser
individual apenas. Quantos vivem hoje em condições semelhantes, sem teto, sem
alimento, sem apoio emocional? Quantos, sem o amparo da fé, cedem à ilusão do
suicídio?
A Doutrina Espírita nos conclama à caridade como
princípio essencial da vida. Não basta lamentar; é preciso agir. A cada gesto
de fraternidade, uma vida pode ser preservada. Como ensinou Jesus: “Não
queirais fazer aos outros o que não quereis que vos façam; mas fazei, ao
contrário, tudo o que quereríeis que vos fizessem” (O Evangelho segundo
o Espiritismo, cap. XV).
Conclusão
A frase da anciã haitiana ecoa como alerta e
convite. Alerta de que o desespero pode atingir qualquer um, em qualquer lugar.
Convite para refletirmos sobre a importância da fé como escudo moral contra a
tentação do suicídio.
O Espiritismo ensina que a vida é sagrada, que a
esperança jamais deve ser abandonada e que, por maior que seja a dor, Deus
nunca nos desampara. A fé esclarecida nos dá coragem para suportar as provas e
forças para ajudar o próximo em sua luta.
Pensar nisso é mais do que reflexão: é compromisso
de transformar a compaixão em ação, a fim de que ninguém precise viver entre os
mortos enquanto ainda está entre os vivos.
Referências
- KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 1857.
- KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. 1864.
- KARDEC, Allan. Revista Espírita. 1858-1869.
- ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). Suicide worldwide in 2019:
global health estimates. Geneva: World Health Organization, 2021.
- SILVA, Kayte. Reflexão sobre a Vida. Artigo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário