sábado, 27 de setembro de 2025

A PRESENÇA DE ASSISTIDOS 
NAS REUNIÕES DE DESOBSESSÃO:
UM ESTUDO À LUZ DA CODIFICAÇÃO ESPÍRITA
- A Era do Espírito -

Introdução

No movimento espírita brasileiro, consolidou-se a prática de não permitir a presença de assistidos nas reuniões de desobsessão. Essa orientação, amplamente difundida em manuais e obras psicografadas, encontra respaldo em autores espirituais como André Luiz (por meio de Francisco Xavier e Waldo Vieira) e Manoel Philomeno de Miranda (através de Divaldo Franco). A Federação Espírita Brasileira (FEB) também adota oficialmente tal diretriz em sua obra Orientação ao Centro Espírita.

Entretanto, quando se observa com rigor a Codificação Espírita e os relatos registrados por Allan Kardec na Revista Espírita, percebe-se que tal prática não encontra respaldo nos fundamentos doutrinários. Pelo contrário, Kardec apresenta diversos exemplos de reuniões em que a presença do obsidiado foi considerada útil, benéfica e até necessária para o processo de esclarecimento do espírito obsessor e da própria vítima.

Este artigo busca analisar, de forma racional e documentada, a legitimidade da presença de assistidos nas reuniões de desobsessão, contrapondo as orientações práticas do movimento espírita brasileiro com as bases doutrinárias espíritas.

Argumentos Contrários e sua Fundamentação

Três principais fundamentos são apresentados para justificar a ausência dos assistidos nas reuniões mediúnicas de desobsessão:

  1. Opiniões de espíritos em obras psicografadas – sobretudo André Luiz e Manoel Philomeno de Miranda, que destacam a necessidade de reuniões privativas.
  2. Orientação institucional da FEB – que transformou essas opiniões em normas e princípios organizativos.
  3. Citações de obras de Kardec – usadas, em geral, de forma descontextualizada, como justificativa para a restrição.

Embora respeitáveis, tais argumentos não devem ser confundidos com princípios doutrinários. Os espíritos comunicantes, por mais sábios, não estão isentos de limitações, e suas opiniões não constituem revelação superior, devendo ser analisadas à luz da razão e da Codificação.

A Prática Espírita e a Presença dos Assistidos

Na obra codificada por Kardec não se encontram recomendações explícitas contrárias à presença dos obsidiados. Pelo contrário, há registros que demonstram a eficácia e a importância dessa participação. Exemplos notórios estão nos relatos da Revista Espírita:

  • Casos de Marmande (1864–1867) – conduzidos por Sr. Dombre, com a presença direta das vítimas, inclusive crianças de treze anos, que interagiam com os espíritos obsessores. Kardec elogia de forma contundente o método empregado, considerando-o prudente, eficaz e moralmente elevado.
  • Grupo de Barcelona (1865) – reuniões realizadas com a presença da assistida, Sra. Rose N., que se curou após sessões de esclarecimento ao espírito obsessor. Kardec classificou o trabalho como “notável e instrutivo”.
  • Sociedade Espírita de Bordeaux (1867) – realizava reuniões semanais de desobsessão com assistidos presentes e até visitas domiciliares. Kardec aplaudiu a “inteligente direção” dos trabalhos.

Esses exemplos deixam claro que a prática espírita não exclui os assistidos das reuniões, mas reconhece neles parte integrante do processo terapêutico.

O Atendimento à Distância

Kardec também registra casos de assistência espiritual à distância, demonstrando que ambas as práticas (com ou sem a presença do assistido) são legítimas. Em situações de impossibilidade física, distância ou fragilidade extrema, a prece coletiva e a evocação dos obsessores mostraram-se igualmente eficazes.

Reflexão Atual

Diante desse quadro, é preciso distinguir entre privacidade e exclusão. Kardec, em O Livro dos Médiuns, adverte contra reuniões públicas abertas a curiosos, mas nunca contra a presença do necessitado. Portanto, confundir privatividade com interdição do obsidiado é interpretação equivocada.

A prática espírita deve ser fiel ao método espírita: estudo, observação, experimentação e validação racional. A cristalização de orientações derivadas de obras mediúnicas ou de órgãos institucionais, sem o devido confronto com a Codificação, pode levar a distorções que não refletem o espírito científico e progressivo do Espiritismo.

Conclusão

À luz das obras de Allan Kardec e da Revista Espírita, não há fundamento para interditar, de modo absoluto, a presença dos assistidos nas reuniões de desobsessão. Pelo contrário, sua participação pode ser não apenas útil, mas necessária ao processo de esclarecimento e cura. O atendimento à distância é igualmente válido, mas não deve substituir a prática direta sempre que esta for possível.

O Espiritismo, como ciência e filosofia de consequências morais, exige constante retorno às suas bases doutrinárias para evitar cristalizações oriundas de tradições humanas ou interpretações parciais. Nesse sentido, revisitar as obras da codificação espírita é condição essencial para que o movimento espírita mantenha sua fidelidade à Doutrina Espírita.

Referências

  • KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos.
  • KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns.
  • KARDEC, Allan. A Gênese.
  • KARDEC, Allan. Revista Espírita (1858–1869).
  • FRANCO, Divaldo P. (psicografias diversas).
  • XAVIER, Francisco Cândido; VIEIRA, Waldo. Desobsessão.
  • VIEIRA, Waldo. Conduta Espírita.
  • SCHUBERT, Suely. Obsessão/Desobsessão.
  • ARMOND, Edgard. Mediunidade.
  • SIMONETTI, Richard. Mediunidade.
  • FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA (FEB). Orientação ao Centro Espírita.

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