Introdução
No
movimento espírita brasileiro, consolidou-se a prática de não permitir a
presença de assistidos nas reuniões de desobsessão. Essa orientação, amplamente
difundida em manuais e obras psicografadas, encontra respaldo em autores
espirituais como André Luiz (por meio de Francisco Xavier e Waldo Vieira) e
Manoel Philomeno de Miranda (através de Divaldo Franco). A Federação Espírita
Brasileira (FEB) também adota oficialmente tal diretriz em sua obra Orientação
ao Centro Espírita.
Entretanto,
quando se observa com rigor a Codificação Espírita e os relatos registrados por
Allan Kardec na Revista Espírita, percebe-se que tal prática não
encontra respaldo nos fundamentos doutrinários. Pelo contrário, Kardec
apresenta diversos exemplos de reuniões em que a presença do obsidiado foi
considerada útil, benéfica e até necessária para o processo de esclarecimento
do espírito obsessor e da própria vítima.
Este
artigo busca analisar, de forma racional e documentada, a legitimidade da
presença de assistidos nas reuniões de desobsessão, contrapondo as orientações
práticas do movimento espírita brasileiro com as bases doutrinárias espíritas.
Argumentos Contrários e sua Fundamentação
Três
principais fundamentos são apresentados para justificar a ausência dos
assistidos nas reuniões mediúnicas de desobsessão:
- Opiniões de
espíritos em obras psicografadas – sobretudo André Luiz e Manoel
Philomeno de Miranda, que destacam a necessidade de reuniões privativas.
- Orientação
institucional da FEB – que transformou essas opiniões em normas e
princípios organizativos.
- Citações de obras
de Kardec
– usadas, em geral, de forma descontextualizada, como justificativa para a
restrição.
Embora
respeitáveis, tais argumentos não devem ser confundidos com princípios
doutrinários. Os espíritos comunicantes, por mais sábios, não estão isentos de
limitações, e suas opiniões não constituem revelação superior, devendo ser
analisadas à luz da razão e da Codificação.
A Prática Espírita e a Presença dos Assistidos
Na
obra codificada por Kardec não se encontram recomendações explícitas contrárias
à presença dos obsidiados. Pelo contrário, há registros que demonstram a
eficácia e a importância dessa participação. Exemplos notórios estão nos
relatos da Revista Espírita:
- Casos de Marmande
(1864–1867)
– conduzidos por Sr. Dombre, com a presença direta das vítimas, inclusive
crianças de treze anos, que interagiam com os espíritos obsessores. Kardec
elogia de forma contundente o método empregado, considerando-o prudente,
eficaz e moralmente elevado.
- Grupo de Barcelona
(1865)
– reuniões realizadas com a presença da assistida, Sra. Rose N., que se
curou após sessões de esclarecimento ao espírito obsessor. Kardec
classificou o trabalho como “notável e instrutivo”.
- Sociedade Espírita
de Bordeaux (1867) – realizava reuniões semanais de desobsessão
com assistidos presentes e até visitas domiciliares. Kardec aplaudiu a
“inteligente direção” dos trabalhos.
Esses
exemplos deixam claro que a prática espírita não exclui os assistidos das
reuniões, mas reconhece neles parte integrante do processo terapêutico.
O Atendimento à Distância
Kardec
também registra casos de assistência espiritual à distância, demonstrando que
ambas as práticas (com ou sem a presença do assistido) são legítimas. Em
situações de impossibilidade física, distância ou fragilidade extrema, a prece
coletiva e a evocação dos obsessores mostraram-se igualmente eficazes.
Reflexão Atual
Diante
desse quadro, é preciso distinguir entre privacidade e exclusão.
Kardec, em O Livro dos Médiuns, adverte contra reuniões públicas abertas
a curiosos, mas nunca contra a presença do necessitado. Portanto, confundir
privatividade com interdição do obsidiado é interpretação equivocada.
A
prática espírita deve ser fiel ao método espírita: estudo, observação,
experimentação e validação racional. A cristalização de orientações derivadas
de obras mediúnicas ou de órgãos institucionais, sem o devido confronto com a
Codificação, pode levar a distorções que não refletem o espírito científico e
progressivo do Espiritismo.
Conclusão
À luz
das obras de Allan Kardec e da Revista Espírita, não há fundamento para
interditar, de modo absoluto, a presença dos assistidos nas reuniões de
desobsessão. Pelo contrário, sua participação pode ser não apenas útil, mas
necessária ao processo de esclarecimento e cura. O atendimento à distância é
igualmente válido, mas não deve substituir a prática direta sempre que esta for
possível.
O
Espiritismo, como ciência e filosofia de consequências morais, exige constante
retorno às suas bases doutrinárias para evitar cristalizações oriundas de
tradições humanas ou interpretações parciais. Nesse sentido, revisitar as obras
da codificação espírita é condição essencial para que o movimento espírita
mantenha sua fidelidade à Doutrina Espírita.
Referências
- KARDEC, Allan. O
Livro dos Espíritos.
- KARDEC, Allan. O
Livro dos Médiuns.
- KARDEC, Allan. A
Gênese.
- KARDEC, Allan. Revista
Espírita (1858–1869).
- FRANCO, Divaldo P.
(psicografias diversas).
- XAVIER, Francisco
Cândido; VIEIRA, Waldo. Desobsessão.
- VIEIRA, Waldo. Conduta
Espírita.
- SCHUBERT, Suely. Obsessão/Desobsessão.
- ARMOND, Edgard. Mediunidade.
- SIMONETTI, Richard.
Mediunidade.
- FEDERAÇÃO ESPÍRITA
BRASILEIRA (FEB). Orientação ao Centro Espírita.
Nenhum comentário:
Postar um comentário