Introdução
Os
conceitos de carma e darma têm origem na tradição filosófico religiosa da Índia antiga e são centrais em sistemas como o
Hinduísmo e o Budismo. Ambos expressam ideias de ordem moral e causal que regem
a existência e a evolução dos seres.
Já a
Doutrina Espírita, codificada por Allan Kardec no século XIX, propõe um sistema
racional de leis morais e naturais universais, fundamentado na existência do
espírito imortal, na reencarnação e na lei de causa e efeito. Embora a Doutrina
não utilize os termos orientais, ela apresenta princípios compatíveis com o
conteúdo moral que os conceitos de carma e darma representam.
Este
artigo busca comparar, de forma racional e didática, esses conceitos orientais
com os ensinamentos espíritas, destacando suas aproximações e diferenças.
Carma e a Lei de Causa e Efeito na Doutrina
Espírita
O carma
(do sânscrito karman) refere-se às ações e às consequências delas
derivadas, constituindo um sistema de causalidade moral que se projeta através
das sucessivas existências. Esse princípio encontra paralelo direto na Lei
de Causa e Efeito, explicitada pela Doutrina Espírita.
Em O
Livro dos Espíritos, na questão 963 e seguintes, Kardec apresenta que “toda infração da lei de Deus traz suas
consequências inevitáveis” e que as faltas do passado só podem ser
reparadas por meio da expiação e da reparação. Na questão 1008,
afirma-se que “a pena é proporcional à gravidade da falta e à eficácia do
arrependimento”, mostrando a relação direta entre atos e consequências.
Na Revista
Espírita (janeiro de 1862), Kardec explica que “as provas têm por fim a reparação do passado e o adiantamento do
Espírito”, indicando que os acontecimentos difíceis não são castigos
arbitrários, mas efeitos educativos de causas anteriores. Assim, o carma,
entendido como o encadeamento moral das ações, corresponde no Espiritismo à
ação da Lei de Causa e Efeito, guiada pela justiça e pela misericórdia divina.
Darma e a Lei de Justiça, Amor e Caridade
O darma
(do sânscrito dharma) representa o conjunto de deveres morais e éticos
que sustentam a ordem universal e guiam o indivíduo para o bem e a verdade. Ele
expressa o princípio de agir conforme a própria natureza espiritual,
contribuindo para a harmonia do todo.
Esse
conceito encontra um paralelo na Doutrina Espírita na Lei de Justiça, Amor e
Caridade, apresentada no Livro Terceiro de O Livro dos Espíritos
(questões 873 a 892). Kardec registra que “a
lei de Deus está escrita na consciência” (q. 621), e que o dever moral é o
caminho do progresso do Espírito.
Em O
Evangelho segundo o Espiritismo, capítulo XVII, está afirmado que “o verdadeiro espírita é reconhecido pela
sua transformação moral e pelos esforços que emprega para domar suas más
inclinações”, reforçando que o cumprimento do dever moral é o eixo da
evolução espiritual.
Assim,
o darma pode ser compreendido como um conceito análogo ao dever moral
individual diante da lei divina que sustenta a criação, exatamente como
ensinado pela Doutrina Espírita.
Relação entre Darma, Carma e Evolução Espiritual
Nas
tradições orientais, o cumprimento do darma (agir segundo a lei moral) gera um
carma positivo, que conduz a melhores renascimentos e maior sabedoria. O
descumprimento do darma gera carma negativo, resultando em sofrimentos futuros
que visam ao reajuste moral do indivíduo.
No
Espiritismo, de modo semelhante, agir segundo a lei divina (dever moral)
conduz a experiências futuras mais felizes e ao progresso espiritual. Agir
contra essa lei gera consequências educativas e reparadoras, que se
manifestam em novas encarnações até que haja o aprendizado necessário.
Portanto,
embora os termos sejam distintos, a lógica causal e moral é muito próxima:
- Darma → cumprir a lei
moral divina (Espiritismo)
- Carma → consequência das
ações perante essa lei (Espiritismo: causa e efeito)
A
diferença essencial está no fundamento teórico: enquanto as tradições
orientais atribuem o carma e o darma a uma ordem cósmica impessoal, a Doutrina
Espírita entende essas leis como expressões da vontade de Deus,
soberanamente justo e bom (O Livro dos Espíritos, q. 1 a 13).
Conclusão
A
comparação revela que os conceitos de carma e darma são compatíveis com os
princípios da Doutrina Espírita, embora com vocabulário e enquadramento
filosófico diferentes. No Espiritismo, a ideia de causalidade moral e de dever
ético universal está claramente estabelecida como Lei de Causa e Efeito
e Lei de Justiça, Amor e Caridade, integradas à pedagogia divina que
conduz os Espíritos à perfeição.
Assim,
o Espiritismo oferece uma visão racional e esperançosa desses princípios, ao
apresentar Deus como Pai amoroso que orienta a evolução, e não apenas como juiz
que aplica punições automáticas.
Referências
- Allan Kardec. O
Livro dos Espíritos. 1ª ed. 1857.
- ———. O Evangelho
segundo o Espiritismo. 1ª ed. 1864.
- ———. Revista
Espírita (1858–1869). Diversos artigos sobre expiação, provas e
progresso dos Espíritos.
- Filosofia indiana —
Conceitos de carma e darma (etimologia do sânscrito e uso no Hinduísmo e
Budismo).
- Estudos comparados
de religião — Pesquisas contemporâneas sobre moralidade e causalidade
espiritual.
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