Introdução
A
história da humanidade revela que, em épocas passadas, os transtornos mentais
eram vistos com temor e preconceito. Atribuídos a influências demoníacas ou
forças obscuras, os chamados “loucos” eram submetidos a tratamentos brutais e
desumanos, muitas vezes reduzidos à tortura ou ao extermínio, a fim de
“preservar” a honra das famílias. A Idade Média, com a prática da trepanação e
outras mutilações, é exemplo emblemático dessa ignorância.
Somente
a partir do Renascimento e do Iluminismo surgiram esforços para racionalizar o
tratamento da loucura, ainda que por métodos punitivos ou repressivos, como os
de Pinel e Tuke. Com o advento da psiquiatria e da psicanálise, novos
paradigmas foram introduzidos, mas ainda insuficientes para compreender a
totalidade do fenômeno psíquico. No século XX, o surgimento dos psicofármacos
representou avanços importantes, mas também trouxe novos desafios éticos e limitações.
À luz
da Doutrina Espírita, codificada por Allan Kardec, é possível reinterpretar o
problema da doença mental em perspectiva mais ampla, considerando o ser humano
como Espírito imortal, em processo contínuo de evolução. O Espiritismo oferece
elementos que articulam as descobertas da ciência com as causas espirituais
profundas, ampliando o horizonte da compreensão e do tratamento das
enfermidades psíquicas.
1. A Visão Espírita sobre a Loucura
Em O
Livro dos Espíritos, Allan Kardec dedica questões específicas ao estudo da
alma, do perispírito e das doenças que afetam a mente. Na Revista Espírita
(1861, 1863, 1864), ele analisa relatos de possessões, obsessões e casos de
loucura, distinguindo o que é de origem orgânica do que é de natureza
espiritual.
Para o
Espiritismo, a doença mental não pode ser reduzida apenas a fenômenos
biológicos. Em muitos casos, ela reflete:
- Expiações ou provas
reencarnatórias, que visam ao reajuste do Espírito perante a
lei de causa e efeito.
- Influências
espirituais
(obsessões), quando entidades desencarnadas, por sintonia negativa,
agravam ou desencadeiam distúrbios psíquicos.
- Desequilíbrios
morais e emocionais acumulados, provenientes de existências anteriores
ou da atual.
Assim,
o que a ciência médica observa como esquizofrenia, psicose ou demência, o
Espiritismo compreende também como expressão das marcas perispirituais e do
processo evolutivo do ser.
2. Entre Ciência e Espiritismo
A
psiquiatria avançou ao oferecer recursos farmacológicos (clorpromazina,
antidepressivos tricíclicos, fluoxetina, antipsicóticos atípicos), que permitem
controlar sintomas e reintegrar pacientes à sociedade. Contudo, tais
tratamentos atuam principalmente nos efeitos, e não nas causas profundas.
O
Espiritismo, sem rejeitar a medicina, propõe uma visão complementar:
- Integração entre
corpo, mente e Espírito.
- Tratamento
espiritual aliado ao médico, por meio de passes, preces,
desobsessão e estudo evangélico.
- Reeducação moral, pois a verdadeira
cura se dá quando o Espírito se reconcilia com sua consciência e com a Lei
Divina.
Allan
Kardec recomendava em O Evangelho Segundo o Espiritismo (cap. XXVIII) a
prece pelos enfermos como recurso legítimo de auxílio. André Luiz, em Ação e
Reação, analisa como culpas do passado repercutem no psiquismo atual.
Joanna de Ângelis, em O Ser Consciente, esclarece que o autoconhecimento
é caminho de libertação das enfermidades emocionais.
3. O Valor do Estudo das Causas Espirituais
A
Doutrina Espírita ensina que não existe acaso. Cada experiência de sofrimento,
inclusive a doença mental, encontra raízes na justiça divina e no merecimento
do Espírito. A obsessão, como explicada por Kardec e estudada amplamente na
prática dos centros espíritas, é fator desencadeante em muitos casos
diagnosticados como psicose.
A
pesquisa em hospitais espíritas, como citado nos trabalhos do Dr. Mário Sérgio
Silveira, confirma que em grande número de pacientes há forte componente
espiritual. Isso reforça a necessidade de união entre a psiquiatria e a
espiritualidade, sem preconceitos.
4. Mediunidade e Loucura: A Linha Tênue
Muitos
médiuns ostensivos, ao não compreenderem sua faculdade, acabam confundidos com
doentes mentais. A Revista Espírita e O Livro dos Médiuns
orientam que a educação da mediunidade é essencial para evitar desequilíbrios.
A
mediunidade não é doença, mas faculdade natural do Espírito. Quando reprimida
ou malconduzida, pode gerar sintomas semelhantes aos transtornos psíquicos. Daí
a importância da orientação espiritual segura, sem jamais descartar o
acompanhamento médico necessário.
Conclusão
O
problema da doença mental é complexo e exige múltiplos olhares. A ciência
oferece avanços inegáveis, mas ainda não consegue abarcar toda a dimensão
espiritual do ser humano. O Espiritismo, ao integrar a lei de causa e efeito, a
reencarnação e a realidade das influências espirituais, amplia o horizonte da
compreensão.
O
desafio está em unir ciência e espiritualidade, medicina e Evangelho,
psiquiatria e mediunidade, sem preconceitos nem dogmatismos. Somente assim
poderemos oferecer verdadeiro amparo aos que sofrem, substituindo o estigma
pelo respeito, a exclusão pela fraternidade e a desesperança pela certeza da
imortalidade.
Referências
- FOUCAULT, Michel. História
da loucura na idade clássica. São Paulo: Perspectiva, 1978.
- FRANCO, Divaldo
Pereira (Joanna de Ângelis – Espírito). O ser consciente. Salvador:
Centro Espírita Caminho da Redenção, 1993.
- KARDEC, Allan. O
Livro dos Espíritos.
- KARDEC, Allan. O
Evangelho segundo o Espiritismo.
- KARDEC, Allan. A
Gênese.
- KARDEC, Allan. Revista
Espírita (1858–1869).
- XAVIER, Francisco
Cândido (Emmanuel – Espírito). Religião dos Espíritos.
- XAVIER, Francisco
Cândido (André Luiz – Espírito). Ação e Reação. Rio de Janeiro:
FEB, 1996.
- PASSOS, Victor
Manuel Pereira de. Demónios, loucos, deficientes mentais e o
Espiritismo. Artigo.
- Notas: Revista
Cristã de Espiritismo, nº 27, pp. 6–11.
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