sábado, 6 de setembro de 2025

O FENÔMENO ARIGÓ
REFLEXÕES HISTÓRICAS E DOUTRINÁRIAS
- A Era do Espírito -

Introdução

A mediunidade é uma das chaves de compreensão da Doutrina Espírita, codificada por Allan Kardec entre 1857 e 1869. Nas páginas de O Livro dos Médiuns e da Revista Espírita, encontramos a análise criteriosa de fenômenos espirituais, desde as manifestações simples até os efeitos mais complexos da chamada “mediunidade de efeitos físicos”. Kardec, sempre fiel ao método da observação e do controle universal do ensino dos Espíritos, advertia que a pesquisa deveria ser feita com seriedade, isenção e vigilância contra fraudes.

No Brasil, o médium José Pedro de Freitas, conhecido como Zé Arigó, tornou-se um dos maiores símbolos do chamado “fenômeno da cura espiritual”. Entre as décadas de 1950 e 1970, em Congonhas do Campo (MG), realizou milhares de cirurgias espirituais sob a alegação de estar sob a ação do Espírito do Dr. Fritz, médico alemão desencarnado. Suas práticas, embora cercadas de polêmica, desafiaram a medicina oficial, intrigaram pesquisadores e atraíram multidões.

Este artigo busca refletir sobre o fenômeno Arigó à luz da Doutrina Espírita codificada por Allan Kardec, da Revista Espírita (1858–1869) e de obras complementares do Espiritismo, sem o objetivo de defesa pessoal do médium, mas com o intuito de situar tais ocorrências dentro do quadro maior das manifestações espirituais estudadas pela ciência espírita.

1. O Fenômeno e o Contexto Histórico

Zé Arigó realizou cirurgias sem anestesia, sem assepsia e sem instrumentos cirúrgicos convencionais, utilizando frequentemente apenas um canivete. Os testemunhos afirmam que tais procedimentos resultavam em curas rápidas e eficazes, sem complicações posteriores. Embora tenha sido processado e condenado por prática ilegal da medicina, não há registros de ações por erro médico ou prejuízo comprovado à saúde dos atendidos.

A imprensa e pesquisadores estrangeiros, como John G. Fuller, registraram os fenômenos, especialmente no livro Arigó: Surgeon of the Rusty Knife (1974). Fuller documentou testemunhos, filmagens e relatos médicos que não encontraram provas de fraude. Ainda assim, setores acadêmicos, médicos e religiosos mantiveram a postura de negar os fatos, muitas vezes sem uma investigação direta.

2. A Visão Espírita sobre Curas Mediúnicas

Allan Kardec, em O Livro dos Médiuns, já advertia que a ação dos Espíritos pode se manifestar sobre o corpo físico, mas sempre dentro dos limites das leis naturais. Ele também destacou que a cura espiritual não substitui a ciência médica, sendo um auxílio extraordinário que deve ser observado e estudado.

Na Revista Espírita (1866), ao comentar sobre curas atribuídas a médiuns e santos, Kardec ressaltou que os fenômenos, embora extraordinários, não constituem provas definitivas da verdade espírita. Eles devem ser analisados como fatos, mas a essência do Espiritismo está na moral do Cristo e na transformação íntima do ser humano.

A ação de Espíritos que foram médicos em vida, como o caso do Dr. Fritz, é coerente com a lógica espírita. Emmanuel, no livro A Caminho da Luz, lembra que os desencarnados prosseguem em suas ocupações e podem colaborar no progresso humano, aplicando seus conhecimentos em benefício dos encarnados.

3. Fraudes, Autenticidade e Método de Análise

Kardec já advertia que a existência de fraudes não invalida a realidade dos fatos autênticos. Assim, a presença de falsos cirurgiões psíquicos ou de fraudes documentadas em outros países não significa que o fenômeno Arigó deva ser descartado sem análise.

A Doutrina Espírita recomenda:

  • Controle dos fatos: verificar as ocorrências por observação direta, em diferentes circunstâncias e por diversos observadores.
  • Isenção de preconceitos: evitar que a religião ou a ciência materialista prejulguem antes de investigar.
  • Universalidade dos testemunhos: considerar o peso dos relatos sérios, como os registrados por Fuller e outros pesquisadores.

4. Arigó e o Espiritismo

Importa destacar que Zé Arigó não se declarava espírita, nem atuava em nome da Doutrina Espírita codificada por Kardec. Seu fenômeno pertence ao campo mais amplo da mediunidade, que não é exclusiva do Espiritismo. Todavia, é legítimo estudá-lo dentro das bases espíritas, que oferecem critérios racionais para compreender tais manifestações.

O caso Arigó ilustra a atualidade dos princípios espíritas: a mediunidade é faculdade natural, passível de manifestação em qualquer tempo, lugar ou pessoa, independentemente de crença religiosa.

Conclusão

O fenômeno Arigó permanece como um dos capítulos mais intrigantes da história mediúnica no Brasil. À luz da Doutrina Espírita, pode ser compreendido como uma manifestação legítima da mediunidade de cura e de efeitos físicos, merecedora de análise séria e desapegada.

Não cabe ao Espiritismo atestar ou negar a autenticidade de cada caso individual, mas oferecer critérios de estudo e discernimento. Kardec advertia que o essencial não está no prodígio, mas na lição moral e espiritual que dele pode decorrer. O exemplo de Arigó nos convida a refletir sobre a continuidade da vida, a ação dos Espíritos e a necessidade de uma ciência aberta à investigação da realidade espiritual.

Referências

  • KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. 2. ed. FEB.
  • KARDEC, Allan. A Gênese. 2. ed. FEB.
  • KARDEC, Allan. Revista Espírita (1858–1869). Diversos artigos sobre curas e fenômenos de efeitos físicos.
  • FULLER, John G. Arigó: Surgeon of the Rusty Knife. Thomas Y. Growell Co., New York, 1974.
  • PASSINI, José. Arigó e a Parapsicologia (artigo).
  • XAVIER, Francisco Cândido. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. FEB.

 

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