Introdução
A
mediunidade é uma das chaves de compreensão da Doutrina Espírita, codificada
por Allan Kardec entre 1857 e 1869. Nas páginas de O Livro dos Médiuns e
da Revista Espírita, encontramos a análise criteriosa de fenômenos
espirituais, desde as manifestações simples até os efeitos mais complexos da
chamada “mediunidade de efeitos físicos”. Kardec, sempre fiel ao método da
observação e do controle universal do ensino dos Espíritos, advertia que a
pesquisa deveria ser feita com seriedade, isenção e vigilância contra fraudes.
No
Brasil, o médium José Pedro de Freitas, conhecido como Zé Arigó,
tornou-se um dos maiores símbolos do chamado “fenômeno da cura espiritual”.
Entre as décadas de 1950 e 1970, em Congonhas do Campo (MG), realizou milhares
de cirurgias espirituais sob a alegação de estar sob a ação do Espírito do Dr.
Fritz, médico alemão desencarnado. Suas práticas, embora cercadas de polêmica,
desafiaram a medicina oficial, intrigaram pesquisadores e atraíram multidões.
Este
artigo busca refletir sobre o fenômeno Arigó à luz da Doutrina Espírita
codificada por Allan Kardec, da Revista Espírita (1858–1869) e de obras
complementares do Espiritismo, sem o objetivo de defesa pessoal do médium, mas
com o intuito de situar tais ocorrências dentro do quadro maior das
manifestações espirituais estudadas pela ciência espírita.
1. O Fenômeno e o Contexto Histórico
Zé
Arigó realizou cirurgias sem anestesia, sem assepsia e sem instrumentos
cirúrgicos convencionais, utilizando frequentemente apenas um canivete. Os
testemunhos afirmam que tais procedimentos resultavam em curas rápidas e
eficazes, sem complicações posteriores. Embora tenha sido processado e condenado
por prática ilegal da medicina, não há registros de ações por erro médico ou
prejuízo comprovado à saúde dos atendidos.
A
imprensa e pesquisadores estrangeiros, como John G. Fuller, registraram
os fenômenos, especialmente no livro Arigó: Surgeon of the Rusty Knife
(1974). Fuller documentou testemunhos, filmagens e relatos médicos que não
encontraram provas de fraude. Ainda assim, setores acadêmicos, médicos e
religiosos mantiveram a postura de negar os fatos, muitas vezes sem uma
investigação direta.
2. A Visão Espírita sobre Curas Mediúnicas
Allan
Kardec, em O Livro dos Médiuns, já advertia que a ação dos Espíritos
pode se manifestar sobre o corpo físico, mas sempre dentro dos limites das leis
naturais. Ele também destacou que a cura espiritual não substitui a ciência
médica, sendo um auxílio extraordinário que deve ser observado e estudado.
Na Revista
Espírita (1866), ao comentar sobre curas atribuídas a médiuns e santos,
Kardec ressaltou que os fenômenos, embora extraordinários, não constituem
provas definitivas da verdade espírita. Eles devem ser analisados como fatos,
mas a essência do Espiritismo está na moral do Cristo e na transformação íntima
do ser humano.
A ação
de Espíritos que foram médicos em vida, como o caso do Dr. Fritz, é coerente
com a lógica espírita. Emmanuel, no livro A Caminho da Luz, lembra que
os desencarnados prosseguem em suas ocupações e podem colaborar no progresso
humano, aplicando seus conhecimentos em benefício dos encarnados.
3. Fraudes, Autenticidade e Método de Análise
Kardec
já advertia que a existência de fraudes não invalida a realidade dos fatos
autênticos. Assim, a presença de falsos cirurgiões psíquicos ou de fraudes
documentadas em outros países não significa que o fenômeno Arigó deva ser
descartado sem análise.
A Doutrina
Espírita recomenda:
- Controle dos fatos: verificar as
ocorrências por observação direta, em diferentes circunstâncias e por
diversos observadores.
- Isenção de
preconceitos:
evitar que a religião ou a ciência materialista prejulguem antes de
investigar.
- Universalidade dos
testemunhos:
considerar o peso dos relatos sérios, como os registrados por Fuller e
outros pesquisadores.
4. Arigó e o Espiritismo
Importa
destacar que Zé Arigó não se declarava espírita, nem atuava em nome da
Doutrina Espírita codificada por Kardec. Seu fenômeno pertence ao campo mais
amplo da mediunidade, que não é exclusiva do Espiritismo. Todavia, é legítimo
estudá-lo dentro das bases espíritas, que oferecem critérios racionais para
compreender tais manifestações.
O caso
Arigó ilustra a atualidade dos princípios espíritas: a mediunidade é faculdade
natural, passível de manifestação em qualquer tempo, lugar ou pessoa,
independentemente de crença religiosa.
Conclusão
O
fenômeno Arigó permanece como um dos capítulos mais intrigantes da história
mediúnica no Brasil. À luz da Doutrina Espírita, pode ser compreendido como uma
manifestação legítima da mediunidade de cura e de efeitos físicos, merecedora
de análise séria e desapegada.
Não
cabe ao Espiritismo atestar ou negar a autenticidade de cada caso individual,
mas oferecer critérios de estudo e discernimento. Kardec advertia que o
essencial não está no prodígio, mas na lição moral e espiritual que dele pode
decorrer. O exemplo de Arigó nos convida a refletir sobre a continuidade da vida,
a ação dos Espíritos e a necessidade de uma ciência aberta à investigação da
realidade espiritual.
Referências
- KARDEC, Allan. O
Livro dos Médiuns. 2. ed. FEB.
- KARDEC, Allan. A
Gênese. 2. ed. FEB.
- KARDEC, Allan. Revista
Espírita (1858–1869). Diversos artigos sobre curas e fenômenos de
efeitos físicos.
- FULLER, John G. Arigó:
Surgeon of the Rusty Knife. Thomas Y. Growell Co., New York, 1974.
- PASSINI, José. Arigó
e a Parapsicologia (artigo).
- XAVIER, Francisco
Cândido. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. FEB.
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