quinta-feira, 25 de setembro de 2025

ESPIRITISMO: DOUTRINA UNIVERSAL
OU IDEOLOGIA MIGRANTE?
- A Era do Espírito -

Introdução

O Espiritismo, desde seu surgimento no século XIX, tem sido objeto de análise por diferentes áreas do conhecimento. Enquanto a Doutrina Espírita, codificada por Allan Kardec, se apresenta como ciência de observação dos fenômenos espirituais, filosofia moral e religião no sentido de religação do ser humano com Deus, pesquisadores sociais a abordam como movimento cultural e religioso. A questão levantada por Marion Aubrée e François Laplantine em La Table, le Livre et les Esprits (1990) é instigante: seria o Espiritismo uma ideologia migrante, adaptando-se a diferentes contextos históricos e geográficos?

O Surgimento e a Codificação

Embora os fenômenos das mesas girantes tenham chamado atenção nos Estados Unidos nos anos 1840, o Espiritismo não nasceu como mera prática empírica. Esses fatos apenas abriram caminho para a investigação sistemática conduzida por Allan Kardec na França. A partir de 1857, com a publicação de O Livro dos Espíritos, surgiu a Doutrina Espírita codificada, que se baseia no tripé ciência, filosofia e moral.

Portanto, ao contrário de uma ideologia de origem norte-americana, o Espiritismo é fruto de uma elaboração racional e filosófica francesa, fundamentada na observação e análise crítica dos fenômenos mediúnicos.

Da França ao Brasil: Recepção e Transformação

Após seu auge na França da segunda metade do século XIX, o Espiritismo sofreu declínio, motivado por diversos fatores:

  • fraudes mediúnicas que comprometeram a credibilidade pública;
  • avanço das ciências materiais, que explicaram parcialmente fenômenos antes considerados espirituais;
  • disputas internas com ocultistas, teosofistas e sociedades metapsíquicas;
  • mudanças culturais e filosóficas, como a ascensão do positivismo e depois do relativismo;
  • o desenvolvimento da psicologia e da psicanálise, que ofereceram novas interpretações para o inconsciente e a mediunidade.

No Brasil, contudo, o Espiritismo encontrou terreno fértil. Sua linguagem moral, o diálogo com tradições religiosas locais e a ênfase na caridade favoreceram sua popularização, transformando-o em movimento social de grande alcance. Nesse processo, a Doutrina passou a ser vivida mais como religião organizada do que como filosofia e ciência.

Ideologia Migrante ou Doutrina Universal?

Do ponto de vista antropológico, o Espiritismo pode ser visto como ideologia migrante, pois se adaptou aos contextos culturais de diferentes países. Mas, sob a ótica da Doutrina Espírita, o que migra não é uma ideologia, e sim uma revelação de caráter universal que se manifesta em diferentes formas sociais. Kardec já advertia, na Revista Espírita, que o Espiritismo não pertence a um povo, mas à humanidade.

Assim, as adaptações nacionais — sejam na França, no Brasil ou em outros países — representam mais a roupagem cultural de um princípio universal do que uma migração ideológica.

O Valor das Pesquisas Acadêmicas

Pesquisas como a de Aubrée e Laplantine têm importância por revelar como o Espiritismo se manifesta no campo social, religioso e cultural. No entanto, ao priorizarem o aspecto externo e prático, deixam em segundo plano o núcleo filosófico e científico que fundamenta a Doutrina Espírita. A abordagem antropológica explica a difusão, mas não esgota o sentido espiritual da codificação espírita.

Conclusão

O Espiritismo não é uma ideologia migrante, mas uma doutrina de caráter universal que se expressa de modos distintos conforme a cultura em que se insere. A análise sociológica enriquece a compreensão de suas transformações, mas não deve obscurecer sua essência, que permanece fiel ao método espírita: observação, análise racional e universalidade do ensino dos Espíritos.

Referências

  • KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 1857.
  • KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. 1861.
  • KARDEC, Allan. A Gênese. 1868.
  • KARDEC, Allan. Revista Espírita (1858–1869).
  • AUBRÉE, Marion; LAPLANTINE, François. La Table, le Livre et les Esprits. Éditions Jean-Claude Lattès, 1990.
  • DONHA, João Alberto Vendrani. “Uma Radiografia Antropológica do Espiritismo”. Jornal Abertura, junho de 2000.

 

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