Introdução
A
justiça é um dos pilares centrais da Doutrina Espírita, codificada por Allan
Kardec no século XIX. Longe de ser apenas um conceito jurídico, a justiça é compreendida,
no Espiritismo, como um princípio moral universal que visa ao respeito aos
direitos de todos os seres. A célebre resposta à questão nº 875 de O Livro dos
Espíritos resume com precisão:
“A justiça consiste em
cada um respeitar os direitos dos demais.”
Essa
perspectiva amplia o conceito tradicional de justiça, unindo-o ao amor e à
caridade, princípios inseparáveis que sustentam a ordem moral do Universo. A
Doutrina Espírita, em consonância com os ensinos de Jesus Cristo, propõe uma
verdadeira transformação da sociedade por meio da modificação íntima de cada
indivíduo e da educação que combate o egoísmo, raiz das desigualdades e das
injustiças sociais.
Justiça: entre a lei humana e a lei natural
Para o
Espiritismo, a justiça humana é mutável, moldada pelos costumes e valores de
cada época, enquanto a lei natural — expressão da vontade divina — é
universal, imutável e está inscrita na consciência de cada ser.
Essa
lei estabelece que o direito primordial de todo ser é o direito à vida,
como ensina a questão nº 880 de O Livro dos Espíritos:
“Ninguém tem o direito
de atentar contra a vida de seu semelhante, nem fazer o que quer que possa
comprometer-lhe a existência corporal.”
Assim,
qualquer ato que ponha em risco a vida — física ou espiritual — é contrário à
justiça. Isso inclui não apenas a violência direta, mas também as estruturas e
omissões sociais que perpetuam a fome, a miséria e a exclusão. O respeito à
vida implica garantir condições dignas de existência a todos.
Justiça e caridade: dois lados da mesma lei
A
Doutrina Espírita ensina que não pode haver caridade sem justiça. A
caridade não é mera esmola, mas todo ato de benevolência, tolerância e
solidariedade nas relações humanas.
Na
questão nº 888 de O Livro dos Espíritos, afirma-se:
“Uma sociedade que se
baseie na Lei de Deus e na justiça deve prover à vida do fraco, sem que haja
para ele humilhação. Deve assegurar a existência dos que não podem trabalhar,
sem lhes deixar a vida à mercê do acaso e da boa vontade de alguns.”
Esse
princípio revela a responsabilidade coletiva de construir uma sociedade que
respeite os direitos fundamentais e elimine as causas estruturais da miséria,
da ignorância e dos vícios. Dados atuais do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística indicam que cerca de 31% da população brasileira vive em
situação de insegurança alimentar, evidenciando a urgência de políticas
públicas pautadas na justiça e na caridade efetiva.
O egoísmo como raiz da injustiça
Na
questão nº 909 de O Livro dos Espíritos, pergunta-se se o homem pode
vencer suas más inclinações, e a resposta é clara:
“Sim, e frequentemente
fazendo esforços muito insignificantes. O que lhe falta é a vontade.”
O
maior entrave ao progresso moral é o egoísmo, que privilegia os
interesses pessoais em detrimento do bem coletivo. Kardec questiona, na questão
nº 914, se é possível extirpá-lo:
“À medida que os homens
se instruem acerca das coisas espirituais, menos valor dão às coisas materiais.
(...) Necessário é que se reformem as instituições humanas que o entretêm e
excitam. Isso depende da educação.”
Ou
seja, o combate ao egoísmo não se dá apenas individualmente, mas exige a transformação
das instituições sociais, políticas e econômicas que o alimentam. A
educação espiritualizada, que desenvolve valores como empatia, responsabilidade
e solidariedade, é o instrumento essencial dessa renovação.
Justiça social e responsabilidade coletiva
Na
questão nº 917, Allan Kardec comenta que o egoísmo é “a chaga social” e deve
ser combatido como uma epidemia. Esse combate passa por duas frentes:
- A transformação
íntima do indivíduo, que deve vencer o orgulho, o egoísmo e o
materialismo.
- A mudança das
estruturas sociais, para que as instituições deixem de estimular
a competição desenfreada e a desigualdade e passem a promover a
cooperação, a dignidade e o bem comum.
Portanto,
a evolução espiritual não é um processo isolado; implica participação
consciente e ativa na sociedade. A justiça, como expressão do amor em ação,
precisa orientar tanto as condutas individuais quanto as decisões políticas e
econômicas.
Considerações finais
A
Doutrina Espírita mostra que a verdadeira justiça transcende códigos legais e
se fundamenta na Lei Natural, que exige o respeito irrestrito aos
direitos de todos, começando pelo direito à vida.
Sem
justiça, não há caridade possível; e sem caridade, não há progresso moral.
Combater
o egoísmo, promover a educação e trabalhar pela transformação das instituições
humanas são tarefas urgentes e inadiáveis para que possamos construir uma
sociedade mais fraterna, justa e solidária, conforme a lei divina do amor
ensinada por Jesus:
“Amai-vos uns aos
outros.”
Referências
- Allan Kardec. O
Livro dos Espíritos (1857).
- Allan Kardec. Revista
Espírita (1858–1869).
- Léon Denis. O Problema
do Ser, do Destino e da Dor.
- Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Dados sobre insegurança
alimentar no Brasil, 2024.
- Emmanuel
(espírito), psicografia de Francisco Cândido Xavier. A Caminho da Luz.
- Albino A. C. de
Novaes. “A Lei de Justiça, Amor e Caridade e a Política”. Artigo.
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