Introdução
A trajetória humana no campo do conhecimento revela
um padrão recorrente: a dificuldade de analisar novos fenômenos de forma
imparcial. Esse problema não é exclusivo da religião ou da ciência, mas atinge
todo processo de investigação. Quando surgem fatos novos, é comum que muitos
aceitem sem exame ou rejeitem sem estudo, o que inevitavelmente conduz a
distorções e confusões.
No Espiritismo, Allan Kardec preveniu esse
risco estabelecendo o princípio da concordância universal dos ensinos dos
Espíritos, de modo que nenhuma interpretação pessoal, isolada ou sectária,
pudesse alterar o núcleo doutrinário. Já na Parapsicologia, campo
científico que emergiu no século XX para estudar os fenômenos psíquicos,
observa-se um problema semelhante: o excesso de interpretações pessoais
moldadas por interesses materialistas ou religiosos.
A análise desse impasse nos convida a refletir
sobre a relação entre ciência, espiritualidade e preconceitos, mostrando como a
busca pela verdade requer rigor metodológico e desapego de visões
pré-concebidas.
A
Parapsicologia e os desvios interpretativos
A Parapsicologia, fundada por Joseph Banks Rhine
na Universidade de Duke (EUA), apresentou ao mundo a possibilidade de estudar
fenômenos como a percepção extra-sensorial (PES) e a psicocinesia com critérios
estatísticos e laboratoriais. Para Rhine, esses estudos indicavam que a mente
poderia agir além dos limites conhecidos da fisiologia, sugerindo a existência
de um componente extra físico do ser humano.
Contudo, à medida que a Parapsicologia se expandia,
surgiram diferentes interpretações. Alguns, como o francês Robert Amadou,
reduziram os fenômenos ao campo da psicologia e da fisiologia, negando seu
caráter espiritual. Outros, como certos grupos religiosos, tentaram transformar
a Parapsicologia em instrumento de combate ao Espiritismo, apresentando
explicações parciais ou até caricaturais.
No Brasil, durante os anos 1960, proliferaram
cursos e institutos de Parapsicologia ligados a tendências confessionais.
Muitos buscavam enquadrar os fenômenos paranormais em teorias de hipnose,
reflexos condicionados ou simples charlatanismo, sem estudos consistentes e sem
diálogo com pesquisas internacionais. Casos como o do médium José Arigó,
alvo de interpretações reducionistas, ilustram como as análises pessoais podem
distorcer a realidade em nome de agendas ideológicas.
O
Espiritismo e o critério da universalidade
O Espiritismo, desde o século XIX, já enfrentava
problema semelhante. Kardec advertia que os fenômenos mediúnicos não podiam ser
interpretados a partir de opiniões individuais ou dogmáticas. Para evitar
desvios, estabeleceu o critério da universalidade do ensino dos Espíritos,
que só admite como princípios doutrinários as comunicações confirmadas de forma
concordante, em diferentes lugares e por médiuns diversos.
Esse método protege a Doutrina contra distorções
sectárias e permite que a investigação avance de modo seguro, preservando sua
essência filosófica, científica e moral. Em contraste, a Parapsicologia, ao não
contar com um critério semelhante, ficou vulnerável a interpretações pessoais
que, muitas vezes, enfraquecem seu potencial de diálogo com a espiritualidade.
Dados
atuais: ciência, psi e espiritualidade
Nas últimas décadas, pesquisas sobre experiências
de quase-morte (EQMs), memórias de vidas passadas (como nos estudos
de Ian Stevenson, na Universidade da Virgínia) e experimentos de
telepatia (Universidade de Edimburgo) têm renovado o debate sobre a
realidade dos fenômenos psíquicos. Embora nem sempre se apresentem como provas
definitivas, tais estudos fortalecem a hipótese de que a consciência não se
reduz ao cérebro.
Paralelamente, setores mais conservadores da
ciência ainda buscam enquadrar esses fenômenos em explicações puramente
fisiológicas ou psicológicas. Assim, repete-se o ciclo histórico:
interpretações pessoais moldadas por paradigmas materialistas ou por interesses
religiosos, em vez de uma análise aberta e rigorosa.
Conclusão
O problema das interpretações pessoais não é
exclusivo da Parapsicologia nem do Espiritismo, mas um desafio humano
constante. No entanto, enquanto a ciência parapsicológica ainda luta para se
firmar em meio a disputas de paradigmas, o Espiritismo já oferece, desde o
século XIX, um critério metodológico claro que permite separar a verdade das
opiniões individuais.
Seja no laboratório ou no centro espírita, a busca
pela verdade deve ser guiada pelo respeito aos fatos e pela abertura à
transcendência. Afinal, como ensinou Kardec, a luz não pode ser abafada por
preconceitos ou sistemas pessoais: cedo ou tarde, ela se impõe pela força da
própria realidade.
Referências
- KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 1857.
- KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. 1861.
- KARDEC, Allan. A Gênese. 1868.
- KARDEC, Allan. Revista Espírita (1858-1869).
- PIRES, José Herculano. “Parapsicologia e interpretações pessoais”. Anuário
Espírita 1965. Instituto de Difusão Espírita.
- RHINE, J. B. New Frontiers of the Mind. New York: Farrar
& Rinehart, 1937.
- STEVENSON, Ian. Twenty Cases Suggestive of Reincarnation.
Charlottesville: University of Virginia Press, 1974.
- GREYSON, Bruce. After: A Doctor Explores What Near-Death
Experiences Reveal about Life and Beyond. New York: St. Martin’s
Essentials, 2021.
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