Introdução
A
convicção da existência dos Espíritos é premissa fundamental da Doutrina
Espírita, codificada por Allan Kardec no século XIX. Segundo o O Livro dos
Espíritos, os Espíritos são os seres inteligentes da Criação, que
sobrevivem à morte do corpo físico e povoam o universo, exercendo influência
constante no mundo moral e, por vezes, no mundo físico.
Contudo,
fenômenos modernos como a Transcomunicação Mediúnica (TCM), a Transcomunicação
Instrumental (TCI) e os chamados Electronic Voice Phenomena (EVP) — gravações
de supostas vozes espirituais por meios eletrônicos — vêm sendo apresentados
por alguns como novas evidências da sobrevivência da alma e até como avanços em
relação ao Espiritismo.
Este
artigo analisa criticamente tais fenômenos à luz da Codificação Espírita,
confrontando seus métodos e resultados com os critérios de seriedade e controle
estabelecidos por Kardec em obras como O Livro dos Médiuns e na Revista
Espírita, a fim de esclarecer sua natureza e evitar equívocos comuns.
Fenômenos de comunicação espiritual segundo a
Codificação
Allan
Kardec distinguiu claramente dois tipos principais de manifestações dos
Espíritos: as manifestações intelectuais (comunicações por ideias,
mensagens, instruções) e as manifestações físicas (efeitos materiais
como ruídos, pancadas, movimentos de objetos, aparições tangíveis etc.).
Segundo
ele, toda manifestação requer a intervenção de um médium, ainda que este
não esteja consciente de sua participação. O médium fornece, por meio do
Perispírito, os fluidos necessários para que o Espírito possa atuar sobre a
matéria densa (O Livro dos Médiuns, 2ª parte, caps. IV a VIII).
Kardec
também ressaltou que as comunicações devem ser analisadas pelo seu conteúdo
moral e racional, e que a universalidade do ensino dos Espíritos —
isto é, a concordância de mensagens sérias e elevadas dadas de forma
independente em diferentes lugares e médiuns — constitui o critério fundamental
para distinguir a verdade do erro.
A TCM, TCI e EVP: fenômenos físicos sem novidade
doutrinária
Os
fenômenos atualmente chamados de Transcomunicação Mediúnica (TCM), Transcomunicação
Instrumental (TCI) e Electronic Voice Phenomena (EVP) consistem, em geral,
na captação de sons, vozes ou imagens atribuídos a Espíritos, por meio de
equipamentos eletrônicos como gravadores, rádios e televisores. Seus defensores
costumam apresentá-los como “provas científicas” da sobrevivência da alma,
muitas vezes afirmando que dispensam a presença de médiuns ou a preparação
moral do ambiente.
Contudo,
segundo os princípios expostos por Allan Kardec, tais fenômenos se enquadram
entre os efeitos físicos já conhecidos e descritos no século XIX, e não
apresentam qualquer característica de novidade ou superior transcendência.
Kardec explica que, mesmo em fenômenos aparentemente espontâneos, sempre
existe a intervenção de um médium, consciente ou não, cujas forças vitais
são utilizadas pelo Espírito para produzir o efeito material (O Livro dos
Médiuns, 2ª parte, cap. V, itens 92 a 98).
Assim,
a alegação de que a TCI ou a EVP ocorrem “sem médiuns” contradiz frontalmente a
definição espírita de mediunidade:
“O médium é o ser que
serve de traço de união aos Espíritos para que estes possam comunicar-se com os
homens. Sem médiuns não há comunicações de nenhuma espécie.”
(O Livro dos Médiuns,
2ª parte, cap. XIV, item 159)
Além
disso, muitos registros de EVP e TCI revelam mensagens fragmentárias,
incoerentes, fúteis ou contraditórias, sem valor doutrinário nem
comprovação científica rigorosa — exatamente como Kardec advertiu sobre os Espíritos
levianos, mistificadores e pseudo-sábios, que gostam de enganar os incautos
e lisonjear a vaidade humana (O Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. XXI,
item 7).
Na Revista
Espírita (dez/1861), Kardec comenta fenômenos de vozes e ruídos
espontâneos, tratando-os como efeitos físicos e observando que seu valor não
está no espetáculo, mas no conteúdo moral das instruções recebidas e na seriedade
dos objetivos da pesquisa.
O risco do sensacionalismo e do afastamento
doutrinário
A
ênfase exagerada na TCM, TCI e EVP como “provas definitivas da existência do
Espírito” pode gerar dois riscos sérios:
- Deslocar o foco do
Espiritismo,
que não visa o espetáculo dos fenômenos, mas a transformação moral do
ser humano por meio do ensino dos Espíritos superiores.
- Dar crédito a
comunicações de Espíritos inferiores, atraídos por ambientes de curiosidade,
orgulho e vaidade, e não pela busca sincera da verdade — o que pode gerar obsessões
e mistificações, como advertido inúmeras vezes por Allan Kardec e por
Erasto.
Ao
contrário do que afirmam alguns divulgadores, o estudo do Evangelho e a
elevação moral são condições fundamentais para a qualidade das comunicações.
Afastar o Evangelho ou os centros espíritas do processo, como alguns propõem, é
incompatível com a metodologia empregada na Codificação Espírita e
apenas facilita a ação de Espíritos inferiores.
Conclusão
Os
fenômenos modernos de TCM, TCI e EVP não constituem avanços sobre a Doutrina
Espírita, mas apenas variações dos efeitos físicos já conhecidos,
que dependem igualmente de médiuns e estão sujeitos à ação de Espíritos de
todas as ordens. Sua apresentação como “revoluções” ou “provas definitivas” da
imortalidade não é verdadeira e pode confundir aqueles que desejam realmente
conhecer e estudar o Espiritismo.
O
verdadeiro progresso do conhecimento espírita não está na multiplicação de
aparatos tecnológicos, mas na aplicação do método racional, observador e
crítico de Allan Kardec, aliado ao discernimento moral e à
universalidade do ensino dos Espíritos superiores. Fora desses critérios,
corre-se o risco de substituir o estudo sério da realidade espiritual por meros
modismos passageiros.
Referências
- Allan Kardec. O
Livro dos Espíritos. 1ª ed., 1857.
- Allan Kardec. O
Livro dos Médiuns. 1ª ed., 1861.
- Allan Kardec. O
Evangelho Segundo o Espiritismo. 1ª ed., 1864.
- Allan Kardec. Revista
Espírita (1858-1869).
- Erasto.
Comunicações diversas na Revista Espírita e em O Evangelho
Segundo o Espiritismo, cap. XXI.
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