terça-feira, 16 de setembro de 2025

TRANSCOMUNICAÇÃO E DOUTRINA ESPÍRITA
UMA ANÁLISE CRÍTICA
- A Era do Espírito -

Introdução

A convicção da existência dos Espíritos é premissa fundamental da Doutrina Espírita, codificada por Allan Kardec no século XIX. Segundo o O Livro dos Espíritos, os Espíritos são os seres inteligentes da Criação, que sobrevivem à morte do corpo físico e povoam o universo, exercendo influência constante no mundo moral e, por vezes, no mundo físico.

Contudo, fenômenos modernos como a Transcomunicação Mediúnica (TCM), a Transcomunicação Instrumental (TCI) e os chamados Electronic Voice Phenomena (EVP) — gravações de supostas vozes espirituais por meios eletrônicos — vêm sendo apresentados por alguns como novas evidências da sobrevivência da alma e até como avanços em relação ao Espiritismo.

Este artigo analisa criticamente tais fenômenos à luz da Codificação Espírita, confrontando seus métodos e resultados com os critérios de seriedade e controle estabelecidos por Kardec em obras como O Livro dos Médiuns e na Revista Espírita, a fim de esclarecer sua natureza e evitar equívocos comuns.

Fenômenos de comunicação espiritual segundo a Codificação

Allan Kardec distinguiu claramente dois tipos principais de manifestações dos Espíritos: as manifestações intelectuais (comunicações por ideias, mensagens, instruções) e as manifestações físicas (efeitos materiais como ruídos, pancadas, movimentos de objetos, aparições tangíveis etc.).

Segundo ele, toda manifestação requer a intervenção de um médium, ainda que este não esteja consciente de sua participação. O médium fornece, por meio do Perispírito, os fluidos necessários para que o Espírito possa atuar sobre a matéria densa (O Livro dos Médiuns, 2ª parte, caps. IV a VIII).

Kardec também ressaltou que as comunicações devem ser analisadas pelo seu conteúdo moral e racional, e que a universalidade do ensino dos Espíritos — isto é, a concordância de mensagens sérias e elevadas dadas de forma independente em diferentes lugares e médiuns — constitui o critério fundamental para distinguir a verdade do erro.

A TCM, TCI e EVP: fenômenos físicos sem novidade doutrinária

Os fenômenos atualmente chamados de Transcomunicação Mediúnica (TCM), Transcomunicação Instrumental (TCI) e Electronic Voice Phenomena (EVP) consistem, em geral, na captação de sons, vozes ou imagens atribuídos a Espíritos, por meio de equipamentos eletrônicos como gravadores, rádios e televisores. Seus defensores costumam apresentá-los como “provas científicas” da sobrevivência da alma, muitas vezes afirmando que dispensam a presença de médiuns ou a preparação moral do ambiente.

Contudo, segundo os princípios expostos por Allan Kardec, tais fenômenos se enquadram entre os efeitos físicos já conhecidos e descritos no século XIX, e não apresentam qualquer característica de novidade ou superior transcendência. Kardec explica que, mesmo em fenômenos aparentemente espontâneos, sempre existe a intervenção de um médium, consciente ou não, cujas forças vitais são utilizadas pelo Espírito para produzir o efeito material (O Livro dos Médiuns, 2ª parte, cap. V, itens 92 a 98).

Assim, a alegação de que a TCI ou a EVP ocorrem “sem médiuns” contradiz frontalmente a definição espírita de mediunidade:

“O médium é o ser que serve de traço de união aos Espíritos para que estes possam comunicar-se com os homens. Sem médiuns não há comunicações de nenhuma espécie.”
(O Livro dos Médiuns, 2ª parte, cap. XIV, item 159)

Além disso, muitos registros de EVP e TCI revelam mensagens fragmentárias, incoerentes, fúteis ou contraditórias, sem valor doutrinário nem comprovação científica rigorosa — exatamente como Kardec advertiu sobre os Espíritos levianos, mistificadores e pseudo-sábios, que gostam de enganar os incautos e lisonjear a vaidade humana (O Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. XXI, item 7).

Na Revista Espírita (dez/1861), Kardec comenta fenômenos de vozes e ruídos espontâneos, tratando-os como efeitos físicos e observando que seu valor não está no espetáculo, mas no conteúdo moral das instruções recebidas e na seriedade dos objetivos da pesquisa.

O risco do sensacionalismo e do afastamento doutrinário

A ênfase exagerada na TCM, TCI e EVP como “provas definitivas da existência do Espírito” pode gerar dois riscos sérios:

  1. Deslocar o foco do Espiritismo, que não visa o espetáculo dos fenômenos, mas a transformação moral do ser humano por meio do ensino dos Espíritos superiores.
  2. Dar crédito a comunicações de Espíritos inferiores, atraídos por ambientes de curiosidade, orgulho e vaidade, e não pela busca sincera da verdade — o que pode gerar obsessões e mistificações, como advertido inúmeras vezes por Allan Kardec e por Erasto.

Ao contrário do que afirmam alguns divulgadores, o estudo do Evangelho e a elevação moral são condições fundamentais para a qualidade das comunicações. Afastar o Evangelho ou os centros espíritas do processo, como alguns propõem, é incompatível com a metodologia empregada na Codificação Espírita e apenas facilita a ação de Espíritos inferiores.

Conclusão

Os fenômenos modernos de TCM, TCI e EVP não constituem avanços sobre a Doutrina Espírita, mas apenas variações dos efeitos físicos já conhecidos, que dependem igualmente de médiuns e estão sujeitos à ação de Espíritos de todas as ordens. Sua apresentação como “revoluções” ou “provas definitivas” da imortalidade não é verdadeira e pode confundir aqueles que desejam realmente conhecer e estudar o Espiritismo.

O verdadeiro progresso do conhecimento espírita não está na multiplicação de aparatos tecnológicos, mas na aplicação do método racional, observador e crítico de Allan Kardec, aliado ao discernimento moral e à universalidade do ensino dos Espíritos superiores. Fora desses critérios, corre-se o risco de substituir o estudo sério da realidade espiritual por meros modismos passageiros.

Referências

  • Allan Kardec. O Livro dos Espíritos. 1ª ed., 1857.
  • Allan Kardec. O Livro dos Médiuns. 1ª ed., 1861.
  • Allan Kardec. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 1ª ed., 1864.
  • Allan Kardec. Revista Espírita (1858-1869).
  • Erasto. Comunicações diversas na Revista Espírita e em O Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. XXI.

 

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