quinta-feira, 4 de setembro de 2025

ABORRECIMENTOS E EDUCAÇÃO DA ALMA
- A Era do Espírito -

Introdução

“Nada mais comum, nas atividades terrenas, do que o hábito enraizado das querelas, dos desentendimentos, das chateações.” Essa constatação reflete o cotidiano humano em todas as épocas e lugares. As pequenas disputas, os melindres e os conflitos que surgem nas relações sociais revelam, de forma clara, a nossa fragilidade moral. Allan Kardec, ao investigar a natureza do ser humano e seu destino espiritual, mostrou que as imperfeições da alma encontram no convívio terreno o ambiente propício para se manifestarem, mas também para serem corrigidas.

Compreender que os aborrecimentos não são apenas contratempos passageiros, mas oportunidades educativas, é uma chave para o progresso espiritual. A Doutrina Espírita, codificada por Kardec, e os inúmeros ensinamentos trazidos pela espiritualidade superior, nos convidam a enxergar nesses episódios a chance de crescer, dominar impulsos inferiores e aproximar-nos da verdadeira paz.

O hábito das querelas e a infância espiritual

Na Revista Espírita (janeiro de 1864), Kardec observa que a humanidade ainda se encontra em uma fase de “infância espiritual”. Os homens, como meninos impacientes, reagem desproporcionalmente a estímulos pequenos, permitindo que discussões triviais assumam proporções de grandes contendas. Essa imagem se ajusta perfeitamente às situações em que, diante de contrariedades mínimas, nos deixamos dominar pela irritação, pela cólera ou pela impaciência.

Não é de admirar, portanto, que “nos agitemos, que nos irritemos, que levantemos a voz, que afivelemos ao rosto expressões feias”. Isso traduz o nível do nosso mundo íntimo, ainda em processo de amadurecimento. Contudo, a pedagogia divina não nos permite estacionar nesse estágio: cada existência é um convite à superação de tendências inferiores e à aquisição de virtudes.

O dever da autoeducação moral

Em O Livro dos Espíritos, questão 919, Santo Agostinho nos aconselha: “Fazei o que eu fazia, quando vivi na Terra: ao fim de cada dia interrogava minha consciência...”. O exercício do autoconhecimento e da vigilância sobre os próprios atos é o caminho mais seguro para que o indivíduo compreenda suas imperfeições e trabalhe para vencê-las.

Não viemos ao mundo, ensina a Doutrina Espírita, para legitimar nossas deficiências, mas para superá-las. Cabe-nos o dever de educar os sentimentos, domar os impulsos irracionais e agir de acordo com a razão lúcida. Cada esforço em resistir à irritação e à cólera é um passo firme na direção da elevação moral, secundado pelo apoio invisível dos Espíritos benevolentes que nos acompanham.

Os efeitos dos aborrecimentos

Embora compreensíveis nas almas “infantis”, os aborrecimentos frequentes produzem “ruídos infelizes e desconcertantes” na vida em sociedade. Tornamo-nos, muitas vezes, fontes de perturbação para familiares, amigos e colegas, trazendo inquietação aos que nos rodeiam.

Kardec lembra, em O Evangelho segundo o Espiritismo (cap. IX, item 5), que a cólera é sinal de imperfeição moral. O irritado “não se dá conta de que os pequenos acessos de impaciência tornam-no ridículo”. Mais do que isso, tornam-no infeliz e difícil de conviver, propagando inquietações ao ambiente e reforçando laços com Espíritos igualmente perturbados.

O antídoto está no cultivo da paciência, da serenidade e da indulgência, virtudes que suavizam os atritos e transformam a convivência em terreno fértil para o progresso comum.

Cooperadores de Deus: a vitória sobre si mesmo

O Espiritismo ensina que todos estamos destinados a sermos cooperadores de Deus, e isso só é possível à medida que nos libertamos das paixões inferiores e abraçamos a disciplina moral. Cada vez que conseguimos resistir a um impulso de cólera, cada vez que, diante de uma provocação, optamos pelo silêncio construtivo em vez da resposta agressiva, conquistamos uma vitória íntima.

Quando, enfim, após uma situação desafiadora, pudermos dizer a nós mesmos: “Fui o mais forte”, estaremos confirmando o verdadeiro progresso espiritual. Essa força não é a do orgulho ou da violência, mas a da alma que aprendeu a dominar a si mesma.

Assim, as “noites morais” das irritações e contrariedades vão, pouco a pouco, cedendo lugar às “manhãs radiantes” da paz e da harmonia.

Referências

  • KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 86. ed. FEB.
  • KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. 101. ed. FEB.
  • KARDEC, Allan. Revista Espírita (1858-1869). Diversos volumes. FEB.
  • KARDEC, Allan. Obras Póstumas. FEB.
  • JOANES (Espírito). Para uso diário. Psicografia de Raul Teixeira. Editora Fráter.
  • Federação Espírita do Paraná. Momento Espírita: Aborrecimentos. Disponível em: momento.com.br.

 

KARDEC E DARWIN
O ESPIRITISMO ANTECIPOU
OU INCORPOROU A TEORIA DA EVOLUÇÃO?
- A Era do Espírito -

Introdução

Desde a publicação de A Origem das Espécies (1859), de Charles Darwin, a teoria da evolução tornou-se um dos marcos mais influentes da ciência moderna. No meio espírita, surge frequentemente a afirmação de que Allan Kardec teria antecipado Darwin ao apresentar em O Livro dos Espíritos (1857) uma visão evolucionista da criação.

Entretanto, uma análise criteriosa das edições da obra, dos desdobramentos em A Gênese (1868) e dos artigos da Revista Espírita (1858–1869), revela que a questão não é tão simples. Kardec, fiel ao princípio de que o Espiritismo deveria caminhar lado a lado com a ciência, ajustou e aprofundou suas formulações doutrinárias à medida que novos conhecimentos científicos se consolidavam.

Assim, o problema central que este artigo examina é: Kardec antecipou Darwin ou, ao contrário, incorporou a teoria evolucionista ao arcabouço espírita após 1859?

1. A primeira edição de O Livro dos Espíritos (1857)

A edição inicial de O Livro dos Espíritos, com 501 perguntas, não apresentou uma concepção evolucionista compatível com a teoria darwiniana. Pelo contrário, na questão 127, os Espíritos afirmam que a alma humana jamais passou pelos diversos reinos da natureza para alcançar o estágio hominal:

“Não! Não! Homens nós somos desde natos. Cada coisa progride na sua espécie e em sua essência; o homem jamais foi outra coisa que não um homem.” (Kardec, 2004, p. 65).

O comentário de Kardec reforça essa perspectiva, descartando a possibilidade de o Espírito humano ter evoluído gradualmente através dos reinos inferiores.

2. A segunda edição de O Livro dos Espíritos (1860)

Com a ampliação da obra para 1.019 perguntas, publicada em 18 de março de 1860, após a divulgação da obra de Darwin, o tratamento da questão sofreu uma inflexão. As perguntas 607 a 611 introduzem uma noção de evolução espiritual que inclui o “princípio inteligente” elaborando-se gradualmente nos seres inferiores antes de alcançar a condição humana:

“Nesses seres, cuja totalidade estais longe de conhecer, é que o princípio inteligente se elabora, se individualiza pouco a pouco e se ensaia para a vida […] Entra então no período da humanização, começando a ter consciência do seu futuro, capacidade de distinguir o bem do mal e a responsabilidade dos seus atos.” (Kardec, 2007a, p. 336-337).

Esse deslocamento evidencia que a segunda edição dialogava com um novo cenário científico e cultural, no qual a teoria darwiniana já circulava e provocava debates intensos.


3. A Gênese (1868) e a síntese espírita da evolução

Em A Gênese, capítulo X, item 29, Kardec afirma que o homem é “o último elo da cadeia da animalidade na Terra”, aproximando-se ainda mais da perspectiva científica da evolução biológica. Contudo, ele distingue claramente a evolução material da evolução espiritual, afirmando que a Doutrina Espírita não reduz o homem apenas à sua dimensão orgânica.

Aqui se percebe que o Espiritismo não se limita a repetir Darwin, mas propõe uma síntese em que a evolução biológica serve de base para a ascensão espiritual, cujo destino final é a perfeição relativa diante de Deus.

4. A Revista Espírita e a abertura ao progresso científico

Nos artigos da Revista Espírita, especialmente durante a década de 1860, Kardec reiterava o princípio de que o Espiritismo deveria acompanhar a ciência. Em janeiro de 1863, por exemplo, sublinhou que a Doutrina não teme o avanço científico, pois está pronta a rever pontos específicos caso novas descobertas o exijam.

Essa postura é resumida em sua célebre declaração:

“[...] Caminhando de par com o progresso, o Espiritismo jamais será ultrapassado, porque, se novas descobertas lhe demonstrarem estar em erro acerca de um ponto qualquer, ele se modificará nesse ponto. Se uma verdade nova se revelar, ele a aceitará.” (A Gênese, cap. I, item 55).

Portanto, Kardec não via contradição entre ciência e Espiritismo, mas complementaridade.

Conclusão

A análise histórica e doutrinária demonstra que Allan Kardec não antecipou a teoria da evolução de Darwin em 1857. Pelo contrário, a primeira edição de O Livro dos Espíritos rejeitava a ideia de que o Espírito humano tivesse percorrido os reinos inferiores.

Somente após a publicação de A Origem das Espécies (1859) é que, na segunda edição de O Livro dos Espíritos (1860) e posteriormente em A Gênese (1868), Kardec incorporou noções mais afinadas com a ideia de evolução, ampliando o ensino dos Espíritos para incluir o desenvolvimento do princípio inteligente ao longo da escala dos seres.

Dessa forma, podemos afirmar que o Espiritismo não antecipou Darwin, mas dialogou com a teoria evolucionista, reinterpretando-a à luz da lei de progresso espiritual. Essa síntese permanece atual, pois demonstra a abertura do Espiritismo ao conhecimento científico e sua vocação para integrar ciência, filosofia e moral sob a égide da moral cristã.

Referências

  • KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 1ª edição, 1857.
  • KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 2ª edição ampliada, 1860.
  • KARDEC, Allan. A Gênese. Rio de Janeiro: FEB, 2007.
  • KARDEC, Allan. Revista Espírita. 1858–1869.
  • PAIM, Zuleica M. S. Evolução: do átomo ao arcanjo. Porto Alegre: Francisco Spinelli, 2013.
  • SILVA SOBRINHO NETO, Paulo da, Kardec não Antecipou Darwin, artigo.
O ESPIRITISMO E A QUESTÃO DO RACISMO
ANÁLISE DOUTRINÁRIA E HISTÓRICA
- A Era do Espírito -

Introdução

A Doutrina Espírita, codificada por Allan Kardec no século XIX, trouxe à humanidade princípios universais baseados na lei de amor, justiça e caridade. No entanto, como movimento nascido em meio a debates científicos e sociais de sua época, o Espiritismo frequentemente é alvo de controvérsias relacionadas a possíveis interpretações racistas em algumas passagens das obras do Codificador ou na recepção de suas ideias.

A questão do racismo no Espiritismo deve ser analisada com equilíbrio: por um lado, a Doutrina codificada afirma a igualdade essencial entre todos os espíritos, independentemente da cor da pele, origem ou condição social; por outro, não se pode ignorar que Kardec viveu num contexto europeu em que teorias como a frenologia, o evolucionismo social e concepções hierárquicas de “raças” exerciam forte influência intelectual.

Este artigo pretende analisar a questão do racismo sob a ótica do Espiritismo, considerando as obras fundamentais de Kardec, artigos da Revista Espírita (1858–1869) e estudos contemporâneos que buscam distinguir o núcleo doutrinário espírita das interpretações contextuais próprias do século XIX.

1. A igualdade essencial dos Espíritos

Em O Livro dos Espíritos (1857), os Espíritos Superiores estabelecem que todos os seres humanos possuem a mesma origem espiritual e estão submetidos às mesmas leis divinas. A questão 803 é categórica:

“Todos os homens são iguais perante Deus. A todos Ele deu a mesma lei e todos são chamados a segui-la.”

Esta declaração desmonta qualquer tentativa de legitimar desigualdades raciais, pois evidencia que as diferenças observadas entre os povos são circunstanciais, resultantes de estágios evolutivos temporários, e não de uma inferioridade intrínseca.

No mesmo sentido, O Evangelho Segundo o Espiritismo (1864) reafirma o mandamento do amor universal, condenando preconceitos e exclusivismos que atentem contra a fraternidade. A mensagem do Espírito de Verdade recorda:

“Espíritas! Amai-vos, eis o primeiro ensinamento. Instruí-vos, eis o segundo.”

Assim, o princípio da igualdade espiritual constitui uma das bases inegociáveis da Doutrina Espírita.

2. Kardec, a teoria da beleza e o contexto científico do século XIX

Em Obras Póstumas, na primeira parte, Kardec aborda a “teoria da beleza”, discutindo critérios de estética e desenvolvimento intelectual entre diferentes povos. Algumas expressões, quando retiradas de seu contexto, podem sugerir hierarquias raciais. Contudo, é necessário compreender que Kardec se apoiava em terminologias científicas de seu tempo, como a frenologia, que hoje se encontram superadas.

Estudos como os de Paulo da Silva Sobrinho Neto (Racismo em Kardec?, 2014/2023) mostram que parte das acusações de racismo contra o Codificador decorre de leituras descontextualizadas, utilizadas por movimentos antiespíritas para atacar a Doutrina. Segundo o autor, a essência da mensagem de Kardec está na universalidade do progresso espiritual, não em classificações biológicas ou raciais.

3. A Revista Espírita e a visão universalista

Nos artigos da Revista Espírita (1858–1869), especialmente no número de janeiro de 1863, Kardec destaca o caráter universal do Espiritismo. Em diversas passagens, ele ressalta que a Doutrina não pertence a um povo ou raça em particular, mas à humanidade.

Um exemplo marcante é a defesa de que o Espiritismo não poderia ser monopólio de um país ou religião específica, pois suas leis têm alcance universal. A diversidade cultural e espiritual é vista como expressão da pluralidade de experiências necessárias ao progresso coletivo.

Assim, ao contrário de legitimar exclusões raciais, a Revista Espírita frequentemente sublinha o papel do Espiritismo como ponto de união entre diferentes povos.

4. O núcleo doutrinário contra o preconceito

Embora certas expressões de Kardec possam refletir o vocabulário científico do século XIX, o núcleo da Doutrina Espírita se opõe radicalmente ao racismo, ao afirmar:

  • A unidade essencial da origem espiritual;
  • A reencarnação como mecanismo universal de progresso;
  • A lei de igualdade perante Deus;
  • A fraternidade como exigência moral do Evangelho.

Dessa forma, o racismo, enquanto ideologia de inferiorização de povos, é incompatível com os princípios fundamentais do Espiritismo.

5. Ações Judiciais Contemporâneas

A reflexão em torno da questão racial nas obras de Allan Kardec e em textos espíritas correlatos chegou também ao cenário jurídico contemporâneo.

Em 6 de novembro de 2007, o Ministério Público Federal firmou um Termo de Compromisso com a Federação Espírita Brasileira (FEB), a Federação Espírita do Estado de São Paulo (FEESP) e seis editoras responsáveis pela publicação de obras espíritas. O acordo determinou a inclusão de uma Nota Explicativa nas edições de Obras Póstumas e em outros livros de caráter doutrinário. Essa nota tem como finalidade esclarecer o contexto histórico do século XIX, ressaltando ao leitor que a Doutrina Espírita, em sua essência, prega o respeito absoluto à dignidade humana e à diversidade, não podendo ser confundida com posturas discriminatórias que marcaram o período em que os textos foram redigidos.

A medida representou um esforço de harmonizar a preservação histórica das fontes com a necessária atualização ética diante das sensibilidades sociais contemporâneas. A nota não altera o conteúdo original das obras, mas oferece um recurso pedagógico para que o leitor compreenda as limitações culturais da época e perceba a diferença entre a mensagem central do Espiritismo e os condicionamentos do pensamento do século XIX.

Mais tarde, em 25 de abril de 2011, a questão foi novamente debatida no âmbito judicial. O juiz federal Marcelo Freiberger Zandavali indeferiu um pedido de liminar que buscava o recolhimento de exemplares de Obras Póstumas, em ação popular ajuizada sob a alegação de racismo. Em sua decisão, o magistrado destacou que o conteúdo da obra reflete concepções típicas do período em que foi escrita, sem, contudo, promover a discriminação racial.

O juiz ressaltou ainda que a inclusão da Nota Explicativa evidencia a postura das instituições espíritas e editoras em assumir compromisso público com o respeito integral à diversidade humana. Dessa forma, a preservação do texto original foi conciliada com a salvaguarda dos valores de igualdade e dignidade que norteiam o Espiritismo e a própria Constituição Federal brasileira.

Esse episódio revela a importância de se compreender a Doutrina Espírita em sua dimensão atemporal, mas sem ignorar os desafios interpretativos decorrentes de sua transmissão histórica. Ao mesmo tempo, reforça a necessidade de leituras críticas e contextualizadas, que reconheçam a essência universalista da mensagem espírita, desvinculando-a de preconceitos herdados do passado.

Conclusão

O estudo da questão do racismo à luz do Espiritismo requer discernimento para separar os elementos contextuais do século XIX do núcleo doutrinário eterno. Kardec, como homem de seu tempo, utilizou conceitos científicos hoje ultrapassados, mas a essência de sua obra — codificada sob a inspiração dos Espíritos Superiores — proclama a igualdade, a fraternidade e a unidade da humanidade.

O Espiritismo, portanto, não legitima o racismo; ao contrário, fornece fundamentos espirituais para superá-lo, indicando que a verdadeira beleza e superioridade estão no progresso moral e intelectual, e não na cor da pele ou em características externas.

Referências

  • KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 1ª ed. 1857.
  • KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 1864.
  • KARDEC, Allan. Obras Póstumas. Primeira parte: A teoria da Beleza.
  • KARDEC, Allan. Revista Espírita. Diversos artigos (1858–1869), especialmente edição de janeiro de 1863.
  • SILVA SOBRINHO NETO, Paulo da. Racismo em Kardec?: A propaganda antiespírita e a verdade doutrinária. EVOC / Ethos Editora, 2014/2023.
  • Página de Allan Kardec na Wikipédia (seção: Controvérsias – frenologia e declarações racistas).

Referências Específicas

  1. Ministério Público Federal (MPF). Termo de Compromisso firmado em 6 de novembro de 2007 entre o MPF, a Federação Espírita Brasileira (FEB), a Federação Espírita do Estado de São Paulo (FEESP) e editoras espíritas, estabelecendo a inclusão de Nota Explicativa em Obras Póstumas e demais publicações doutrinárias.
  2. BRASIL. Justiça Federal – Seção Judiciária de São Paulo. Ação Popular nº 0004763-10.2010.403.6100. Decisão do juiz federal Marcelo Freiberger Zandavali, proferida em 25 de abril de 2011, que indeferiu pedido liminar para recolhimento de exemplares de Obras Póstumas, reconhecendo o caráter histórico do texto e a legitimidade da Nota Explicativa.
A MÔNADA E O PRINCÍPIO INTELIGENTE
UM ESTUDO COMPARATIVO COM A DOUTRINA ESPÍRITA
- A Era do Espírito –

Introdução

Ao longo da história do pensamento humano, diferentes tradições filosóficas e espirituais buscaram compreender a unidade fundamental da realidade. Entre essas concepções, destacam-se a mônada pitagórica e filosófica, a mônada leibniziana, a centelha divina do hermetismo, gnosticismo e teosofia e, em contraste e complemento, o princípio inteligente da Doutrina Espírita, codificada por Allan Kardec no século XIX.

No campo espírita pós-codificação  espírita, a obra Evolução em Dois Mundos (1958), ditada pelo Espírito André Luiz e psicografada por Francisco Cândido Xavier e Waldo Vieira, apresenta a ideia de “mônada” como sinônimo do princípio inteligente em marcha evolutiva. Nela, a mônada é descrita como o ser elementar que progride em dois planos — o físico e o espiritual — evidenciando a continuidade da vida e da aprendizagem além da matéria.

Embora haja proximidades com concepções anteriores, o Espiritismo traz uma visão original: o ser não nasce pronto, mas “simples e ignorante”, avançando lentamente pela lei do progresso.

1. A Mônada na Filosofia Antiga

  • Pitágoras e os pitagóricos: a mônada era o número primordial, origem de todos os outros, princípio de unidade e ordem cósmica.
  • Neoplatonismo: concebida como o "Um", fundamento da pluralidade, fonte do ser.
  • Síntese: símbolo da totalidade cósmica, mais metafísica do que ligada ao desenvolvimento individual.

2. Leibniz e a Mônada Moderna

  • Definição: substância simples, indivisível e indestrutível.
  • Características: cada mônada possui percepções e apetites internos, em constante movimento.
  • Harmonia preestabelecida: regidas por Deus, as mônadas não interagem diretamente.
  • Limite: em Leibniz não há evolução pela matéria, mas gradação de consciência.

3. A Mônada nas Tradições Esotéricas

  • Gnosticismo: centelha divina aprisionada na matéria, que busca retornar ao Pleroma.
  • Teosofia: essência espiritual imortal, parte do Absoluto, que se manifesta e evolui em planos sucessivos.
  • Hermetismo: a “centelha divina” ou “Eu Sou”, expressão direta do Criador.
  • Enfoque comum: a mônada é considerada essência já perfeita, obscurecida pela matéria, mas não submetida a um processo pedagógico de aperfeiçoamento.

4. A Mônada em Evolução em Dois Mundos

Na obra de André Luiz (Evolução em Dois Mundos, cap. 1–3), a mônada é apresentada como o princípio inteligente em marcha que, desde o átomo primitivo, atravessa as experiências nos reinos da natureza, sob a tutela divina, até alcançar a condição de Espírito consciente.

  • Definição: a mônada é o ser elemental, núcleo do princípio inteligente, que evolui paralelamente nos planos físico e espiritual.
  • Função: anima a matéria, progride em complexidade, adquirindo atributos psíquicos e morais.
  • Originalidade: mostra que não há solução de continuidade entre os reinos da natureza, nem entre a vida material e a vida espiritual.
  • Conexão com Kardec: embora use a palavra “mônada”, André Luiz a vincula claramente ao conceito de princípio inteligente criado simples e ignorante (LE, q. 114), o qual progride pela experiência, diferindo da noção esotérica de essência já perfeita.

5. O Princípio Inteligente na Doutrina Espírita

Na Codificação de Kardec, encontramos as bases desse conceito:

  • Definição: o princípio inteligente é a força primordial, o germe da inteligência que se individualiza progressivamente (O Livro dos Espíritos, q. 23 e segs.).
  • Trajetória: inicia-se nos reinos inferiores, desenvolvendo-se até a condição de Espírito.
  • Função: é o motor da evolução, em união com a matéria, até se destacar dela.
  • Finalidade: atingir a perfeição relativa e a consciência plena diante de Deus.
  • Revista Espírita: em diversos artigos, Kardec reforça a ideia de que a alma não é criada pronta, mas formada lentamente, diferenciando-se das concepções monadológicas tradicionais.

6. Comparações e Contrastes

  • Origem
    • Mônada clássica/esotérica: unidade eterna e já perfeita.
    • Mônada em André Luiz: princípio inteligente em estado inicial, em processo de aquisição de experiências.
    • Princípio inteligente (Kardec): criação divina, simples e ignorante, destinada ao progresso.
  • Natureza
    • Mônada tradicional: centelha divina autônoma, independente da matéria.
    • Mônada em André Luiz: núcleo espiritual em evolução, em simbiose com a matéria e o perispírito.
    • Princípio inteligente: força animadora, ligada à matéria como instrumento de aprendizado.
  • Desenvolvimento
    • Mônada de Leibniz: não evolui pela matéria, apenas varia em percepção.
    • Mônada esotérica: busca retorno ao Uno, como essência pré-existente.
    • Mônada em André Luiz e princípio inteligente: evolui gradualmente pelos reinos da natureza, em estágios sucessivos, até tornar-se Espírito.
  • Finalidade
    • Mônada filosófica/esotérica: expressar a unidade cósmica ou retornar ao Absoluto.
    • Mônada em André Luiz: transformar-se em Espírito consciente, pela experiência em dois mundos.
    • Princípio inteligente (Kardec): evoluir, moralizar-se e cooperar com Deus, atingindo perfeição relativa.

Conclusão

A comparação entre as tradições filosóficas e esotéricas, a concepção espírita e a abordagem de André Luiz revela tanto proximidades quanto diferenças marcantes.

A mônada clássica é, em geral, essência eterna e perfeita em si, enquanto o princípio inteligente de Kardec nasce simples e ignorante, progredindo pela lei de progresso. André Luiz, ao usar o termo “mônada”, aproxima-se mais da definição espírita, descrevendo-a como o ser elementar em processo de ascensão contínua nos dois planos da vida.

Assim, o Espiritismo se distingue por oferecer uma visão dinâmica, pedagógica e progressiva da evolução espiritual, em que cada etapa da existência — do átomo ao anjo — é degrau necessário no caminho de aperfeiçoamento, sempre sob a direção de Deus.

Referências

  • KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 1ª ed. 1857.
  • KARDEC, Allan. A Gênese. 1ª ed. 1868.
  • KARDEC, Allan. Revista Espírita (1858–1869).
  • LEIBNIZ, G. W. Monadologia. 1714.
  • MEAD, G. R. S. Fragments of a Faith Forgotten. London: 1900.
  • BLAVATSKY, H. P. A Doutrina Secreta. 1888.
  • FESTUGIÈRE, A. J. La Révélation d’Hermès Trismégiste. Paris, 1944.
  • CHURTON, Tobias. Gnostic Philosophy: From Ancient Persia to Modern Times. Rochester: Inner Traditions, 2005.
  • XAVIER, Francisco Cândido; VIEIRA, Waldo. Evolução em Dois Mundos. Pelo Espírito André Luiz. FEB, 1958.

 

quarta-feira, 3 de setembro de 2025

SAFIYA: LIÇÕES DE AMOR E PERDÃO
- A Era do Espírito -

Introdução

A história de Safiya, mulher nigeriana que enfrentou a condenação à morte por adultério após uma vida marcada por casamentos forçados, perdas dolorosas e injustiças sociais, comoveu o mundo no início do século XXI. Seu drama humano revela, em meio ao sofrimento, duas grandes virtudes que desafiam o ódio e a intolerância: o amor maternal incondicional e o perdão sincero.

Ao ser denunciada pelo próprio irmão e condenada pela lei de sua cultura, Safiya não se deixou abater pela amargura. Nutriu profundo afeto pela filha que lhe custava a vida e estendeu o perdão àquele que a havia traído. Sua experiência, à luz da Doutrina Espírita codificada por Allan Kardec, convida-nos a refletir sobre a justiça divina, a reencarnação, o poder do amor e a força do perdão como caminhos de libertação espiritual.

O Sofrimento Humano e a Lei de Causa e Efeito

Em O Livro dos Espíritos, Allan Kardec questiona os Espíritos Superiores sobre a origem das provas e expiações que marcam a vida humana. Na questão 132, ensinam que a encarnação é necessária ao progresso, e nas questões 258 a 273 explicam que o Espírito, antes de reencarnar, escolhe certas provas que lhe ajudarão no aperfeiçoamento moral.

Safiya, como todos nós, não é vítima do acaso. Sua vida difícil — casamentos compulsórios, perdas de filhos, acusações injustas — deve ser compreendida como parte de um roteiro evolutivo, onde as dores, ainda que intensas, se convertem em degraus para o crescimento espiritual. A lei de causa e efeito não é punitiva, mas educativa, oferecendo ao Espírito novas oportunidades de reparar, aprender e fortalecer-se.

O Amor Maternal como Reflexo do Amor Divino

Apesar de todo o sofrimento, Safiya nunca deixou de amar a filha que foi motivo de sua condenação. Em O Livro dos Espíritos, questão 890, os Espíritos ensinam que “o amor maternal é o mais sublime de todos os sentimentos” e que Deus o concedeu como uma lei natural para proteger os filhos em sua fragilidade.

Ao considerar sua filha um presente de Deus, Safiya deu testemunho desse amor profundo, capaz de resistir à injustiça e ao risco de morte. O Espiritismo esclarece que esse laço não é apenas biológico, mas espiritual. A maternidade é uma missão sagrada, muitas vezes escolhida antes da reencarnação, que favorece o reencontro de almas em processos de auxílio, reparação e aprendizado mútuo.

O Perdão: Caminho da Libertação

A atitude de Safiya diante do irmão que a denunciou é um exemplo vivo do Evangelho. Longe de cultivar rancor, ela o recebeu com um abraço e lágrimas de reconciliação. Em O Evangelho segundo o Espiritismo, capítulo X, Kardec reúne os ensinamentos de Jesus sobre a necessidade do perdão das ofensas, destacando que não há verdadeira caridade sem a disposição de perdoar.

A Doutrina Espírita reforça que o perdão não apenas liberta o ofensor do peso da culpa, mas também alivia a alma daquele que perdoa. Na Revista Espírita de abril de 1862, Kardec comenta sobre um Espírito que sofria atormentado pelo ódio; somente após perdoar, encontrou paz. Safiya, ao perdoar, não apenas pacificou o irmão, mas elevou a si mesma, mostrando ao mundo que o amor é mais forte que o ressentimento.

A Solidariedade sem Fronteiras

A repercussão internacional da história de Safiya e a mobilização de uma ONG para auxiliar mulheres e crianças nigerianas evidenciam que a solidariedade não conhece limites de cultura, religião ou geografia. Para o Espiritismo, a fraternidade universal é a base da lei de amor. Em O Livro dos Espíritos, questão 886, os Espíritos definem caridade como “benevolência para com todos, indulgência para com as imperfeições alheias e perdão das ofensas”.

A experiência de Safiya, ao alcançar os corações além das fronteiras da Nigéria, mostra a concretização desse ideal. Sua vida se tornou um testemunho que desperta consciências e inspira obras de apoio, confirmando que o bem é contagiante e transformador.

Conclusão

Safiya ensina ao mundo que a grandeza espiritual não está na ausência de dores, mas na forma como enfrentamos as provações. Seu amor maternal revela a força divina que sustenta a vida, e seu perdão exemplifica a vitória do Espírito sobre a vingança.

À luz do Espiritismo, sua história não é apenas um drama humano, mas uma lição universal de esperança. Em meio às injustiças e limitações da Terra, brilham as virtudes eternas que aproximam a criatura de seu Criador: o amor e o perdão.

Referências

  • KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 1857.
  • KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. 1864.
  • KARDEC, Allan. Revista Espírita (1858-1869). Diversos artigos sobre sofrimento, expiação e perdão.
  • KARDEC, Allan. A Gênese. 1868.
  • Momento Espírita. Lições de amor e perdão. Disponível em: momento.com.br.
  • MASTO, Raffaele. Eu, Safiy. São Paulo: Verus Editora.
  • Obras subsidiárias e complementares da Doutrina Espírita.

 

ABORRECIMENTOS E EDUCAÇÃO DA ALMA - A Era do Espírito - Introdução “Nada mais comum, nas atividades terrenas, do que o hábito enraizado da...