Introdução
“Nada
mais comum, nas atividades terrenas, do que o hábito enraizado das querelas,
dos desentendimentos, das chateações.” Essa constatação reflete o
cotidiano humano em todas as épocas e lugares. As pequenas disputas, os
melindres e os conflitos que surgem nas relações sociais revelam, de forma
clara, a nossa fragilidade moral. Allan Kardec, ao investigar a natureza do ser
humano e seu destino espiritual, mostrou que as imperfeições da alma encontram
no convívio terreno o ambiente propício para se manifestarem, mas também para
serem corrigidas.
Compreender que os aborrecimentos não são apenas
contratempos passageiros, mas oportunidades educativas, é uma chave para o
progresso espiritual. A Doutrina Espírita, codificada por Kardec, e os inúmeros
ensinamentos trazidos pela espiritualidade superior, nos convidam a enxergar
nesses episódios a chance de crescer, dominar impulsos inferiores e
aproximar-nos da verdadeira paz.
O hábito
das querelas e a infância espiritual
Na Revista Espírita (janeiro de 1864),
Kardec observa que a humanidade ainda se encontra em uma fase de “infância
espiritual”. Os homens, como meninos impacientes, reagem desproporcionalmente a
estímulos pequenos, permitindo que discussões triviais assumam proporções de
grandes contendas. Essa imagem se ajusta perfeitamente às situações em que,
diante de contrariedades mínimas, nos deixamos dominar pela irritação, pela
cólera ou pela impaciência.
Não é de admirar, portanto, que “nos agitemos, que nos irritemos, que
levantemos a voz, que afivelemos ao rosto expressões feias”. Isso traduz o
nível do nosso mundo íntimo, ainda em processo de amadurecimento. Contudo, a
pedagogia divina não nos permite estacionar nesse estágio: cada existência é um
convite à superação de tendências inferiores e à aquisição de virtudes.
O dever
da autoeducação moral
Em O Livro dos Espíritos, questão 919, Santo
Agostinho nos aconselha: “Fazei o que eu
fazia, quando vivi na Terra: ao fim de cada dia interrogava minha
consciência...”. O exercício do autoconhecimento e da vigilância sobre os
próprios atos é o caminho mais seguro para que o indivíduo compreenda suas
imperfeições e trabalhe para vencê-las.
Não viemos ao mundo, ensina a Doutrina Espírita,
para legitimar nossas deficiências, mas para superá-las. Cabe-nos o dever de
educar os sentimentos, domar os impulsos irracionais e agir de acordo com a
razão lúcida. Cada esforço em resistir à irritação e à cólera é um passo firme
na direção da elevação moral, secundado pelo apoio invisível dos Espíritos
benevolentes que nos acompanham.
Os
efeitos dos aborrecimentos
Embora compreensíveis nas almas “infantis”, os
aborrecimentos frequentes produzem “ruídos infelizes e desconcertantes” na vida
em sociedade. Tornamo-nos, muitas vezes, fontes de perturbação para familiares,
amigos e colegas, trazendo inquietação aos que nos rodeiam.
Kardec lembra, em O Evangelho segundo o
Espiritismo (cap. IX, item 5), que a cólera é sinal de imperfeição moral. O
irritado “não se dá conta de que os
pequenos acessos de impaciência tornam-no ridículo”. Mais do que isso,
tornam-no infeliz e difícil de conviver, propagando inquietações ao ambiente e
reforçando laços com Espíritos igualmente perturbados.
O antídoto está no cultivo da paciência, da
serenidade e da indulgência, virtudes que suavizam os atritos e transformam a
convivência em terreno fértil para o progresso comum.
Cooperadores
de Deus: a vitória sobre si mesmo
O Espiritismo ensina que todos estamos destinados a
sermos cooperadores de Deus, e isso só é possível à medida que nos libertamos
das paixões inferiores e abraçamos a disciplina moral. Cada vez que conseguimos
resistir a um impulso de cólera, cada vez que, diante de uma provocação,
optamos pelo silêncio construtivo em vez da resposta agressiva, conquistamos
uma vitória íntima.
Quando, enfim, após uma situação desafiadora,
pudermos dizer a nós mesmos: “Fui o mais forte”, estaremos confirmando o
verdadeiro progresso espiritual. Essa força não é a do orgulho ou da violência,
mas a da alma que aprendeu a dominar a si mesma.
Assim, as “noites morais” das irritações e
contrariedades vão, pouco a pouco, cedendo lugar às “manhãs radiantes” da paz e
da harmonia.
Referências
- KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 86. ed. FEB.
- KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. 101. ed.
FEB.
- KARDEC, Allan. Revista Espírita (1858-1869). Diversos
volumes. FEB.
- KARDEC, Allan. Obras Póstumas. FEB.
- JOANES (Espírito). Para uso diário. Psicografia de Raul
Teixeira. Editora Fráter.
- Federação Espírita do Paraná. Momento Espírita: Aborrecimentos.
Disponível em: momento.com.br.